Estes não actuam em Lisboa - não para já. O primeiro álbum dos "The Organ", intitulado 'Grab That Gun', está cheio de óptimas faixas, e eu irei colocar algumas aqui ao longo dos próximos dias. À espera que alguém os tragam para tocar em Portugal.
Wednesday, October 31, 2007
Tuesday, October 30, 2007
A exigência e a interpretação das estatísticas segundo o "Público"
O "Público" é um jornal muito exigente. Já sabíamos. Muito exigente para consigo e para com os outros. Assim, quando o Ministério da Educação anuncia que «a taxa de insucesso escolar caiu de 32 por cento para 25 por cento, em dois anos» no ensino secundário, o que corresponde ao número mais baixo alguma vez registado em Portugal, o "Público" escreve no título "Insucesso escolar em Portugal baixa sete pontos percentuais mas ainda é de 25 por cento". Ainda! Portanto o que é merece efectivo relevo na notícia nao é o ganho obtido, mas o facto de ainda estarmos atrás dos outros países europeus (que é, como sabemos, uma grande novidade, e é por isso que merece tamanho relevo). Caramba, devia baixado aí para 15% logo, ou valor semelhante. Isso sim, seria uma convergência imediata com as taxas europeias. É o que se chama exigência.
Esta salutar atitude de exigência já havia ficado demonstrada na semana passada, onde - infelizmente não consigo recuperar a notícia no site do "Público" -, em reacção aos resultados de um dos relatórios apresentados na conferência organizada nos passados dias 22 e 23 de Outubro sobre o Plano Nacional de Leitura e que demonstravam que, por comparação com a mesma pergunta que constava num inquérito realizado em 1997, os não-leitores em Portugal (isto é, os que não lêem nenhum tipo de suporte - jornal, revista ou livro), tinham descido de 12% para 5%. O título da notícia (a tal que não consigo encontrar) era qualquer coisa do género: "em 10 anos, os não-leitores apenas desceram 7%".
Bom, se calhar convinha lembrar que ainda existem em Portugal pessoas que não sabem ler. Segundo os dados do INE de 2001, eram 9% os anafabetos no nosso país. Assumindo que algumas destas pessoas, seguramente de idade avançada, podem entretanto ter morrido, teremos de certeza, ainda hoje, mais de 5% da população portuguesa que não sabe ler. Assumamos, por agora, que são 5% - é um número que atiro ao ar, mas é uma estimativa conservadora: o valor bem pode ser superior. Ora, os esforços nos últimos 10 anos dos diferentes governos para levar as pessoas a ler não terão grande efeito sobre aqueles que não sabem ler de todo; se há hoje 5% de anafabetos ainda vivos, e se 5% - de acordo com o mencionado inquérito - são "não-leitores", parece-me simples concluir que é um pouco difícil baixar mais o número de não-leitores; é mesmo impossível que a queda entre 1997 e 2007 seja superior ao "míseros" 7% sublinhados pelo "Público". Provavelmente, foi atingido o tecto da população com capacidades de leitura em Portugal; "só" houve uma queda de 7% porque provavelmente não havia possibilidade de cair mais (fica, naturalmente, em aberto o número de analfabetos em Fevereiro de 2007, altura em que se realizou o inquérito, creio, mas, repito, 5% é um estimativa que muito favorece o "Público" neste caso)!
Mas isto deve ter escapado à exigência e ao rigor do jornal de José Manuel Fernandes. Para ressaltar os nossos endémicos atrasos - por muito que se esteja a trabalhar gradualmente, e com sucesso relativo, para os ultrapassar a médio prazo -, para isso, o jornal está sempre pronto. Se o dono do jornal, Belmiro de Azevedo, ainda tivesse interesses neste constante ataque à escola pública do género a que o "Público" nos habituou, bem como na extensão da rede de oferta privada em progressiva substituição da pública; isto é, se a SONAE tivesse a ambição de se substituir ao Ministério da Educação como maior entidade empregadora de professores, eu até desconfiava de que aqui havia gato. Mas, felizmente, e como acredito pouco em conspirações, devo estar enganado.
Esta salutar atitude de exigência já havia ficado demonstrada na semana passada, onde - infelizmente não consigo recuperar a notícia no site do "Público" -, em reacção aos resultados de um dos relatórios apresentados na conferência organizada nos passados dias 22 e 23 de Outubro sobre o Plano Nacional de Leitura e que demonstravam que, por comparação com a mesma pergunta que constava num inquérito realizado em 1997, os não-leitores em Portugal (isto é, os que não lêem nenhum tipo de suporte - jornal, revista ou livro), tinham descido de 12% para 5%. O título da notícia (a tal que não consigo encontrar) era qualquer coisa do género: "em 10 anos, os não-leitores apenas desceram 7%".
Bom, se calhar convinha lembrar que ainda existem em Portugal pessoas que não sabem ler. Segundo os dados do INE de 2001, eram 9% os anafabetos no nosso país. Assumindo que algumas destas pessoas, seguramente de idade avançada, podem entretanto ter morrido, teremos de certeza, ainda hoje, mais de 5% da população portuguesa que não sabe ler. Assumamos, por agora, que são 5% - é um número que atiro ao ar, mas é uma estimativa conservadora: o valor bem pode ser superior. Ora, os esforços nos últimos 10 anos dos diferentes governos para levar as pessoas a ler não terão grande efeito sobre aqueles que não sabem ler de todo; se há hoje 5% de anafabetos ainda vivos, e se 5% - de acordo com o mencionado inquérito - são "não-leitores", parece-me simples concluir que é um pouco difícil baixar mais o número de não-leitores; é mesmo impossível que a queda entre 1997 e 2007 seja superior ao "míseros" 7% sublinhados pelo "Público". Provavelmente, foi atingido o tecto da população com capacidades de leitura em Portugal; "só" houve uma queda de 7% porque provavelmente não havia possibilidade de cair mais (fica, naturalmente, em aberto o número de analfabetos em Fevereiro de 2007, altura em que se realizou o inquérito, creio, mas, repito, 5% é um estimativa que muito favorece o "Público" neste caso)!
Mas isto deve ter escapado à exigência e ao rigor do jornal de José Manuel Fernandes. Para ressaltar os nossos endémicos atrasos - por muito que se esteja a trabalhar gradualmente, e com sucesso relativo, para os ultrapassar a médio prazo -, para isso, o jornal está sempre pronto. Se o dono do jornal, Belmiro de Azevedo, ainda tivesse interesses neste constante ataque à escola pública do género a que o "Público" nos habituou, bem como na extensão da rede de oferta privada em progressiva substituição da pública; isto é, se a SONAE tivesse a ambição de se substituir ao Ministério da Educação como maior entidade empregadora de professores, eu até desconfiava de que aqui havia gato. Mas, felizmente, e como acredito pouco em conspirações, devo estar enganado.
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Uma certa ideia de justiça e de igualdade na educação
«Pour l'école de base, il nous semble devoir réclamer la justice corrective. Usant de dispositifs de discrimination positive et traquant tous les mécanismes par lesquels s'opère le renforcement des inégalités de départ - qu'elles soient d'origine naturelle, sociale ou scolaire - l'école de base, prolongée jusqu'à 15 ans, devrait se donner pour idéal l'égalité des acquis fondamentaux. Le redoublement d'une anné ne devrait être toleré que dans de cas très exceptionnels. Les compétences essentielles étant définies, les enseignants seraient tenus d'en faire acquérir la maîtrise par tous les élèves. Cela ne les dispenserait pas de susciter le développement d'autres compétences qui ne figuraient pas dans la liste des socles».
Marcel Grahay, Une École de Qualité Pour Tous!, Bruxelles, Editions Labor (p.22)
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Interpol - The Pace is the Trick
Non-stop: depois de Rufus, no dia 6, os Interpol tocam no Coliseu no dia 7 de Novembro, no regresso a Lisboa depois do 'Super Bock Super Rock' de Julho.
Algumas considerações politicamente incorrectas sobre o "facilitismo" em educação
É muito interessante ler e ouvir o que por aí se escreve e diz em torno da revisão do estatuto do aluno e dos resultados hoje anunciados do ensino secundário. Mas o verdadeiramente extraordinário é a ideologia que leva as pessoas a pensarem que retenção = sinal de rigor, e fazer tudo para manter os alunos integrados na instituição escolar (que implica de facto mais, e não menos trabalho por parte das escolas) = facilitismo.
Mas apetece perguntar: facilitismo para quem? Nas actuais condições, só se fosse facilitismo para o professor, que assim pode sancionar legalmente as dificuldades reveladas por um aluno em vez de o procurar "agarrar", ir "atrás" dele, dar tudo para que este as supere e, se este não aprende de uma forma à primeira, possa aprender de outra à segunda, e aí por diante. Isto, sim, é o contrário do facilitismo. Facilitismo é continuar a manter escancarada a porta do chumbo, a opção exit sem quaisquer problemas acrescidos para quem avalia (a opção exit é como a opção de despedimento fácil e imediato nas empresas sem qualquer problema para quem a decide, ou seja, o patronato; a esquerda acha isto péssimo – eu também -, mas acha que os professores devem poder punir os alunos com a guia de marcha da “retenção” sem qualquer problema, despedindo-os daquela turma/ano. Muito curioso, mas nada de empiricamente extraordinário: como François Dubet gosta de dizer, a classe de professores é tão socialmente progressista como profissionalmente conservadora). Hoje, as tão atacadas ciências da educação - e tantas vezes sem sentido, fruto de tanta ignorância -, mas também a sociologia ou psicologia - outras ciências 'obscuras' para algumas elites - estão fartas de mostrar que a repetição não beneficia o aluno em nada. Em nada. Não são raros os casos em que ele revela saber menos no ano seguinte a ter chumbado do que no ano anterior, mas regularmente não sabe mais. Perdeu um ano, e não ganhou absolutamente nada: a consequência negativa é que ficou para trás com o estigma pessoal e social de que a escola (professores e colegas, tantas vezes nestas fonte de profundo reconhecimento e afirmação identitária) o olha como caso de fracasso. De fracasso em fracasso, claro: sabemos que quanto mais cedo um aluno chumba, maiores são as probabilidades de ele voltar a chumbar, até, pura e simplesmente, se cansar. Até que um dia sai da escola. Ponto final. É isto o "rigor"? Então Portugal, por este critério, é um país extremamente rigoroso. Voilà. Estamos no topo da UE. A nossa escola é tão boa, tão boa, chumba tantos e a um ritmo tão veloz, que deve ser de uma qualidade acima da média.
Quem decide o chumbo não vê a sua vida muito alterada - quando muito, vê-a facilitada, porque passa a ter menos alunos com dificuldades na mesma sala. Que tentação será, não é? Em vez de "puxar" pelo aluno, de o tentar "agarrar", de fazer tudo o que está ao alcance da escola - repito, da escola como colectivo, como instituição socializadora, não como soma de elementos atomizados minding their own business - para o recuperar, para o fazer melhorar (os verdadeiros rankings, os do futuro, vão, espero, poder medir o que se chama "valor acrescentado" que a escola traz ao aluno, independentemente do seu nível de partida - aí veremos se as escolas públicas ficam atrás das privadas), porque não simplesmente deixá-lo estar? Porque não, no limite, deixá-lo reprovar por faltas?
Comparemos agora o que se passa no caso de um médico. Ao contrário do professor, não há aqui escapatória, não há estratégia de exit, não há “retenção” que lhe resolva o problema: ele simplesmente não pode dizer “não” a um doente (idealmente, eu sei - e sobretudo isto só é possível no sector público, porque no privado também se constróem belos rankings 'chutando' os casos complicados para o público). Um médico que revelasse não ter feito tudo o que está ao seu alcance para salvar a vida do doente teria cometido uma grave falha ética e profissional (claro, sabemos que o Sindicato, perdão, a Ordem dos Médicos bem os protege de qualquer ataque à sua "autonomia", pelo que o mundo estará seguramente cheio de erros médicos por sancionar...); porque é que aceitamos que um professor que não faça tudo o que está ao seu alcance para salvar um aluno? Podemos dizer, claro, que um médico salva vidas e um professor não intervém em nenhuma área tão crítica como a clínica. Fair enough. Mas apenas até um certo ponto, se virmos a vida apenas definida de uma perspectiva clínica; porque se adoptarmos uma perspectiva biográfico-profissional, o acto de um professor no sentido de determinar uma repetência pode condicionar ou determinar, em larga medida, o futuro escolar e social de um aluno. Por exemplo, um aluno que chumba no 2º ano do 1ºciclo dificilmente termina o 3º ciclo. Uma decisão nesse momento de o fazer repetir o ano em vez de o fazer passar e investir nele todos os cuidados no ano seguinte para o recuperar para o nível desejado pode ser determinante para a sua vida futura. Aqui pode residir a diferença entre um previsível trajectória de insucesso - e se era previsível ou esperada, então porque não agimos imediatamente sobre ela em vez de esperar que ela aconteça?! - e uma trajectória difícil de luta contra as probabilidades, feita de trabalho e de pequenos sucessos, em direcção um futuro profissional mais decente, construída pelo aluno e pelo(s) professores e escola(s). Não preciso romancear a segunda situação. A diferença de estratégias é claríssima. É entre deixar as disposições inscritas na história das pessoas e das instituições actuarem, ou significa intervirmos sobre essas disposições, e corrigir os seus efeitos perversos e as suas consequências que impendem, lamento recordar, sobre os alunos, e não sobre os professores. As trajectórias escolares, sociais, e biográficas, são path-dependent, ou seja, dependem do percurso tomado no passado, e sobretudo de decisões tomadas em momentos-chave - como bifurcações - que podem fazer a diferença num futuro mais ou menos distante. «Se eu tivesse feito isto ou aquilo...» não é matéria da telenovela nas 9 da noite, é o húmus de todas as frustrações individuais pós-adolescência (e por aí em diante). Não me digam que os professores, como formadores de seres humanos e com o poder institucional que têm ao seu dispor, não têm responsabilidades nesta matéria. Então que a saibam usar.
Aqueles que falam de facilitismo, respondam-me por favor: qual delas é mais fácil, a que literalmente dá menos trabalho? O reprovar por mil e um motivos (o aluno é "isto" ou "aquilo", os pais "não sei que mais", a "turma também não ajuda", etc.) ou fazer o possível, o que está ao alcance da escola para o salvar? A retenção raramente é sinónimo de rigor. A retenção é, essa sim, na maior parte das vezes, sinónimo de facilitismo, sem quaisquer consequências para quem a decide, e com consequências potencialmente negativíssimas para quem recebe a decisão. E esta assimetria pode ser incrivelmente perversa.
Se as pessoas percebessem que as políticas actuais pretendem acabar com este tipo de facilitismo perverso que serve todos menos os alunos, talvez dessem menos ouvidos às desonestidades intelectuais de Paulo Portas e co.. Agora, eu percebo porque é que os professores podem ficar zangados: isto obriga-os a trabalhar mais e ter mais responsabilidades. Porém, isto levanta duas questões. Primeiro, se os professores terão de trabalhar mais - e com eles os estudantes que serão assim "agarrados" e verão como menos óbvia/atractiva a estratégia do abandono -, por que motivo está tudo a falar de maior "facilitismo"? Segundo, e ao contrário do se diz por aí, o maior trabalho e a maior responsabilização são os meios para a credibilização presente e futura da profissão docente. É quando a sociedade olha para os professores como profissionais que dão tudo de si para salvar os alunos que sem a sua ajuda teriam percursos educativos de insucesso constante que ela começará a valorizá-los e atribuir-lhes um reconhecimento que não cai do céu (como não cai a nenhum profissional só por "ser" algo: é preciso justificá-lo; um médico não é respeitado por ser médico; é respeitado por ser bom médico; idem para um juiz, um arquitecto, um engenheiro, etc.), mas deve ser conquistado activamente e actualizado de forma constante (o tempo do professor e do médico venerado pela comunidade pertence ao imaginário do início rural do século XX - com a infelicidade, é verdade, dessa ter sido a nossa realidade até há bem pouco mais de um terço de século).
Deve ser para situações como esta em que as pessoas precisam de mudar completamente o seu olhar sobre um problema que a expressão "revolução copernicana" se aplica. O nosso país está cheio de pretensos "revolucionários", há por aí algum copernicano?
Mas apetece perguntar: facilitismo para quem? Nas actuais condições, só se fosse facilitismo para o professor, que assim pode sancionar legalmente as dificuldades reveladas por um aluno em vez de o procurar "agarrar", ir "atrás" dele, dar tudo para que este as supere e, se este não aprende de uma forma à primeira, possa aprender de outra à segunda, e aí por diante. Isto, sim, é o contrário do facilitismo. Facilitismo é continuar a manter escancarada a porta do chumbo, a opção exit sem quaisquer problemas acrescidos para quem avalia (a opção exit é como a opção de despedimento fácil e imediato nas empresas sem qualquer problema para quem a decide, ou seja, o patronato; a esquerda acha isto péssimo – eu também -, mas acha que os professores devem poder punir os alunos com a guia de marcha da “retenção” sem qualquer problema, despedindo-os daquela turma/ano. Muito curioso, mas nada de empiricamente extraordinário: como François Dubet gosta de dizer, a classe de professores é tão socialmente progressista como profissionalmente conservadora). Hoje, as tão atacadas ciências da educação - e tantas vezes sem sentido, fruto de tanta ignorância -, mas também a sociologia ou psicologia - outras ciências 'obscuras' para algumas elites - estão fartas de mostrar que a repetição não beneficia o aluno em nada. Em nada. Não são raros os casos em que ele revela saber menos no ano seguinte a ter chumbado do que no ano anterior, mas regularmente não sabe mais. Perdeu um ano, e não ganhou absolutamente nada: a consequência negativa é que ficou para trás com o estigma pessoal e social de que a escola (professores e colegas, tantas vezes nestas fonte de profundo reconhecimento e afirmação identitária) o olha como caso de fracasso. De fracasso em fracasso, claro: sabemos que quanto mais cedo um aluno chumba, maiores são as probabilidades de ele voltar a chumbar, até, pura e simplesmente, se cansar. Até que um dia sai da escola. Ponto final. É isto o "rigor"? Então Portugal, por este critério, é um país extremamente rigoroso. Voilà. Estamos no topo da UE. A nossa escola é tão boa, tão boa, chumba tantos e a um ritmo tão veloz, que deve ser de uma qualidade acima da média.
Quem decide o chumbo não vê a sua vida muito alterada - quando muito, vê-a facilitada, porque passa a ter menos alunos com dificuldades na mesma sala. Que tentação será, não é? Em vez de "puxar" pelo aluno, de o tentar "agarrar", de fazer tudo o que está ao alcance da escola - repito, da escola como colectivo, como instituição socializadora, não como soma de elementos atomizados minding their own business - para o recuperar, para o fazer melhorar (os verdadeiros rankings, os do futuro, vão, espero, poder medir o que se chama "valor acrescentado" que a escola traz ao aluno, independentemente do seu nível de partida - aí veremos se as escolas públicas ficam atrás das privadas), porque não simplesmente deixá-lo estar? Porque não, no limite, deixá-lo reprovar por faltas?
Comparemos agora o que se passa no caso de um médico. Ao contrário do professor, não há aqui escapatória, não há estratégia de exit, não há “retenção” que lhe resolva o problema: ele simplesmente não pode dizer “não” a um doente (idealmente, eu sei - e sobretudo isto só é possível no sector público, porque no privado também se constróem belos rankings 'chutando' os casos complicados para o público). Um médico que revelasse não ter feito tudo o que está ao seu alcance para salvar a vida do doente teria cometido uma grave falha ética e profissional (claro, sabemos que o Sindicato, perdão, a Ordem dos Médicos bem os protege de qualquer ataque à sua "autonomia", pelo que o mundo estará seguramente cheio de erros médicos por sancionar...); porque é que aceitamos que um professor que não faça tudo o que está ao seu alcance para salvar um aluno? Podemos dizer, claro, que um médico salva vidas e um professor não intervém em nenhuma área tão crítica como a clínica. Fair enough. Mas apenas até um certo ponto, se virmos a vida apenas definida de uma perspectiva clínica; porque se adoptarmos uma perspectiva biográfico-profissional, o acto de um professor no sentido de determinar uma repetência pode condicionar ou determinar, em larga medida, o futuro escolar e social de um aluno. Por exemplo, um aluno que chumba no 2º ano do 1ºciclo dificilmente termina o 3º ciclo. Uma decisão nesse momento de o fazer repetir o ano em vez de o fazer passar e investir nele todos os cuidados no ano seguinte para o recuperar para o nível desejado pode ser determinante para a sua vida futura. Aqui pode residir a diferença entre um previsível trajectória de insucesso - e se era previsível ou esperada, então porque não agimos imediatamente sobre ela em vez de esperar que ela aconteça?! - e uma trajectória difícil de luta contra as probabilidades, feita de trabalho e de pequenos sucessos, em direcção um futuro profissional mais decente, construída pelo aluno e pelo(s) professores e escola(s). Não preciso romancear a segunda situação. A diferença de estratégias é claríssima. É entre deixar as disposições inscritas na história das pessoas e das instituições actuarem, ou significa intervirmos sobre essas disposições, e corrigir os seus efeitos perversos e as suas consequências que impendem, lamento recordar, sobre os alunos, e não sobre os professores. As trajectórias escolares, sociais, e biográficas, são path-dependent, ou seja, dependem do percurso tomado no passado, e sobretudo de decisões tomadas em momentos-chave - como bifurcações - que podem fazer a diferença num futuro mais ou menos distante. «Se eu tivesse feito isto ou aquilo...» não é matéria da telenovela nas 9 da noite, é o húmus de todas as frustrações individuais pós-adolescência (e por aí em diante). Não me digam que os professores, como formadores de seres humanos e com o poder institucional que têm ao seu dispor, não têm responsabilidades nesta matéria. Então que a saibam usar.
Aqueles que falam de facilitismo, respondam-me por favor: qual delas é mais fácil, a que literalmente dá menos trabalho? O reprovar por mil e um motivos (o aluno é "isto" ou "aquilo", os pais "não sei que mais", a "turma também não ajuda", etc.) ou fazer o possível, o que está ao alcance da escola para o salvar? A retenção raramente é sinónimo de rigor. A retenção é, essa sim, na maior parte das vezes, sinónimo de facilitismo, sem quaisquer consequências para quem a decide, e com consequências potencialmente negativíssimas para quem recebe a decisão. E esta assimetria pode ser incrivelmente perversa.
Se as pessoas percebessem que as políticas actuais pretendem acabar com este tipo de facilitismo perverso que serve todos menos os alunos, talvez dessem menos ouvidos às desonestidades intelectuais de Paulo Portas e co.. Agora, eu percebo porque é que os professores podem ficar zangados: isto obriga-os a trabalhar mais e ter mais responsabilidades. Porém, isto levanta duas questões. Primeiro, se os professores terão de trabalhar mais - e com eles os estudantes que serão assim "agarrados" e verão como menos óbvia/atractiva a estratégia do abandono -, por que motivo está tudo a falar de maior "facilitismo"? Segundo, e ao contrário do se diz por aí, o maior trabalho e a maior responsabilização são os meios para a credibilização presente e futura da profissão docente. É quando a sociedade olha para os professores como profissionais que dão tudo de si para salvar os alunos que sem a sua ajuda teriam percursos educativos de insucesso constante que ela começará a valorizá-los e atribuir-lhes um reconhecimento que não cai do céu (como não cai a nenhum profissional só por "ser" algo: é preciso justificá-lo; um médico não é respeitado por ser médico; é respeitado por ser bom médico; idem para um juiz, um arquitecto, um engenheiro, etc.), mas deve ser conquistado activamente e actualizado de forma constante (o tempo do professor e do médico venerado pela comunidade pertence ao imaginário do início rural do século XX - com a infelicidade, é verdade, dessa ter sido a nossa realidade até há bem pouco mais de um terço de século).
Deve ser para situações como esta em que as pessoas precisam de mudar completamente o seu olhar sobre um problema que a expressão "revolução copernicana" se aplica. O nosso país está cheio de pretensos "revolucionários", há por aí algum copernicano?
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So what?
Anda toda a gente excitada com a questão do referendo ao Tratado. Há? Não há? Devia haver? Até parece que reside aqui uma grande questão política, de facto.
Não há ninguém que faça por aí uma sondagem? Aposto que o "Sim" ganhava de forma absolutamente esmagadora, do género 70% ou mais, até bastante mais. Entre as elites políticas, ficavam todos mais satisfeitos ou convencidos?
Não há ninguém que faça por aí uma sondagem? Aposto que o "Sim" ganhava de forma absolutamente esmagadora, do género 70% ou mais, até bastante mais. Entre as elites políticas, ficavam todos mais satisfeitos ou convencidos?
Monday, October 29, 2007
Rufus Wainwright - Going to a Town
Dia 6 de Novembro, no Coliseu dos Recreiros. Imperdível.
Going to a Town
I'm going to a town that has already been burnt down
I'm going to a place that has already been disgraced
I'm gonna see some folks who have already been let down
I'm so tired of America
I'm gonna make it up for all of The Sunday Times
I'm gonna make it up for all of the nursery rhymes
They never really seem to want to tell the truth
I'm so tired of you, America
Making my own way home, ain't gonna be alone
I've got a life to lead, America
I've got a life to lead
Tell me, do you really think you go to hell for having loved?
Tell me, enough of thinking everything that you've done is good
I really need to know, after soaking the body of Jesus Christ in blood
I'm so tired of America
I really need to know
I may just never see you again, or might as well
You took advantage of a world that loved you well
I'm going to a town that has already been burnt down
I'm so tired of you, America
Making my own way home, ain't gonna be alone
I've got a life to lead, America
I've got a life to lead
I got a soul to feed
I got a dream to heed
And that's all I need
Making my own way home, ain't gonna be alone
I'm going to a town
That has already been burnt down.
Novas oportunidades
Quem deixou escapar "O Escafandro e a Borboleta" no Ciclo de Cinema Francês (eu nao deixei), tem agora oportunidade de ver no circuito comercial.
Quem deixou escapar no DocLisboa o "Sicko" de Michael Moore (eu deixei), tem também agora a possibilidade de o ver numa sala perto de si.
Quem deixou escapar no DocLisboa o "Sicko" de Michael Moore (eu deixei), tem também agora a possibilidade de o ver numa sala perto de si.
Agent provocateur
«Education is the inculcation of the incomprehensible into the indifferent by the incompetent».
John Maynard Keynes
John Maynard Keynes
Sunday, October 28, 2007
O motivo pelo qual este blog está feito um vegetal:
Ou seja, o trabalho na vida real, não na blogosférica, a tentar, como diz o bom do Borgmann, Holding On to Reality.
Wednesday, October 3, 2007
Tuesday, October 2, 2007
Aquisição de livros
«Seria bom comprar livros se, junto com eles, fosse possível comprar também o tempo para lê-los, mas na maioria das vezes troca-se a compra dos livros pela aquisição do seu conteúdo»
Arthur Schopenhauer
Arthur Schopenhauer
Monday, October 1, 2007
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