Várias sondagens indicam que Obama vai mesmo ganhar mesmo New Hampshire na votação de hoje à noite (ou madrugada de quarta-feira). Este resultado não significa o fim da campanha de Clinton, longe disso. O processo eleitoral será longo, e Hilary tem uma série de estados que pode considerar
seus (Arkansas, Connecticut, New Jersey e New York - isto se o onda de entusiasmo por Obama não virar as sondagens que dão ampla vantagem a Hilary, claro está). Tudo ficará em aberto, em princípio, para a "Super Terça-Feira" de 5 de Fevereiro.
O problema de Clinton não é, portanto, o facto de se terem esgotado as oportunidades institucionais para reverter o processo, tanto mais que a convenção democrata inclui 'superdelegados' que não são eleitos pelo estados, e, à distância, Hilary parece bem colocada para (sobre este processo complicado, pode ler-se
isto). O problema é mais grave: Hilary não parece ter estratégia para travar a onda de entusiasmo que se gerou em torna da candidatura de Barak Obama. Basta ver o que aconteceu com a palavra
change, que Obama foi o primeiro usar de forma sistemática. Agora, todos os candidatos falam de
change - incluindo os republicanos, o que gera uma situação que está algures entre cómico e o ridículo, como capta esta reportagem da
CNN. Clinton está obcecada por fazer passar a mensagem que ela também é uma
agent of change. É verdade que o facto de toda a gente andar a usar a mesma palavra para tudo e para nada vai esgotar muito rapidamente o seu valor de uso. Mas a sua cooptação do discurso de Obama é um sinal de enorme fraqueza estratégia e discursiva. Não apenas porque demonstra não ter nenhuma mensagem capaz de se sobrepor à de Barack - podia colocar a ênfase na sua 'experiência', mas a sua mais-valia política seria sempre fraca - como aceitou jogar no campo do adversário, segundo as suas regras. O problema de Clinton (e para o seu estratega principal, Mark Penn) é que, aqui, as regras que dão parecem dar uma vantagem muito particular a Obama vão muito para além do poder do
discurso. Todos sabem que a mensagem da "mudança" é banal e, no limite, leviana e perigosa (como aliás Hilary salientou há uns dias). O que transforma tudo é essa palavra ser um dos eixo da mensagem de Barack Obama, que é afro-americano e 14 anos mais novo que Hilary. O decisivo é
quem o diz, não o que é dito (c
hange na boca de um WASP previsível como G.W.Bush seria tudo menos um
slogan apelativo).
Não só Obama é um afro-americano, como pertence a uma geração diferente a Clinton, que, "só" sendo 14 anos mais velha que ele, já ocupou, para todos os efeitos, a Casa Branca (quando a vemos, somos inevitavelmente transportados para 1992); Obama, que andava na escola quando Martin Luther King foi assassinado, não representa, como Jesse Jackson - que foi o único candidato democrata afro-americano a disputar umas primárias, em 1988 -, o legado daquele. Se é verdade que só possível estar onde está porque foi capaz de subir para os seus ombros de King, e se não raras vezes usa a linguagem dos direitos civis e fala da necessidade da sua consolidação (a memória do "roubo" da eleição de Al Gore em 2000 é naturalmente fresca), Obama representa uma geração que nasceu para a política depois dos conflitos dos anos 60 e 70, e que se prolongaram nos anos 80 e 90 com as chamadas
culture wars (onde a questão racial nunca está esquecida). Esta é uma guerra que ele - e muitos como ele, sobretudo os eleitores mais novos - não só não viu nascer (e por isso não toma como sua), como não vê grande sentido. Jackson já insinuou várias vezes que Obama esquece o seu passado e não representa convenientemente os afro-americanos (ou seja, que não "é negro o suficiente") - esquecendo que a (híbrida) identidade de Obama foi construída
para lá das lutas que constituíram os afro-americanos como grupo político entre os anos 60 e 80, e que a sua estratégia passa, coerentemente, por se afirmar como um representante de
todos os americanos.
É por isso que a mensagem da mudança expressa por Obama nunca poderá ser igualada por qualquer discurso ou demonstração de Hilary, que, diga o que dizer, prove o que provar ao nível do CV político (onde baseia a sua asserção de que também ela é uma agente da mudança), é filha dos anos 60 e está há tempo demais sob os holofotes da política americana para não ser odiada por várias facções conservadoras.
Este é o maior drama de Clinton: a vantagem de Obama é extra-discursiva e é provável que nenhum
rebranding da candidatura de Hilary consiga ultrapassar o que Obama representa, para além das suas palavras, para grupos politicamente tão diferentes da sociedade norte-americana.
A vantagem de Obama - se não me engano, a nível nacional e não apenas nestas primárias - será mesmo da ordem da meta-política: não é uma questão de propostas ou medidas de
policy concretas, nem uma questão de democratas
vs. republicanos (ou seja, o facto do eleitorado estar cansado destes últimos, o que já ficou patente nas eleições para o Congresso em 2006). Ele representa uma reconciliação dos EUA com a sua história, no duplo sentido de procurar sarar feridas do passado e de actualizar promessas que o país deixou ou deixa por cumprir a nível nacional e internacional.