Dados do Eurostat Pocketbook "Living Conditions in Europe. Data 2002-2005" sobre educação:
Veja-se a percentagem, no primeiro quadro, nos diferentes grupo etários, da população portuguesa que tem o 9º ano completo. Compare-se com a média da área Euro e com a UE a 25. E, para não ir mais longe, compare-se com os valores da Polónia, na linha imediatamente a cima. A Polónia, como a generalidade dos países de Leste, tem valores mais elevados que a UE a 25 - e, convém não esquecer, estes são os países com quem Portugal vai competir economicamente nos próximos anos no espaço europeu.
De onde vem boa parte do problema. O segundo quadro mostra-nos: da altíssima taxa de abandono escolar. A definição da imagem não é perfeita, mas o valor que lá está é de 38,6% para os jovens que têm entre 18-24 e que completaram, no máximo, o 9º ano. Só Malta e a Turquia nos ultrapassam nos números da infâmia. De novo, notem-se os valores dos antigos países comunistas.
Este é um problema gravíssimo, porque ataca, naturalmente, os grupos sociais mais desfavorecidos - cujos filhos e filhas vão, muito provavelmente, ficar presos em trajectórias profissionais e sociais marcadas pela precariedade laboral e baixos salários.
No outro extremo, os valores de Portugal não deslustram: no ensino superior, a percentagem dos que estão numa universidade ou num politécnico estão bem mais próximos da média da UE a 25 (46,8% e 50,7%, respectivamente, para 2003/2004). Ou seja, em termos educacionais os extremos vão, nos próximos anos, com quase toda a certeza, distanciar-se ainda mais. Teremos uma elite qualificada semelhante aos nossos parceiros europeus e, no outro extremo, uma massa de adultos com baixíssimas qualificações.
Isto é grave, porque vai limitar as opções políticas de governos futuros. Entre a estratégia anglo-saxónica que se apoia na desregulação do mercado de trabalho para os sectores menos qualificados da população - alimentando um low skills equilibrium - e a estratégia de desenvolvimento de altas qualificações para a larga maioria da população que reduz ao mais possível o trabalha não-qualificado e coloque essa maioria em condições de ter empregos mais interessantes e bem pagos (criando, eventualmente, um high skills equilibrium), a estrutura de qualificações futura - se nada for invertido - vai, muito provavelmente, fazer inclinar os governos futuros para a saída liberal, em detrimento da social-democrata. É que os governos não precisam apenas do apoio dos eleitores para gizar políticas. Eles precisam de instituições económicas, sociais, laborais, que lhes permitam pôr essas políticas a funcionar. Sem as instituições certas, é como tentar fazer omeletes sem ovos.
A questão central é que estratégia social-democrata, se a história de desenvolvimento dos países europeus das últimas décadas nos ensina alguma coisa, assente numa forte redistribuição, numa relativa compressão salarial, em níveis de coordenação e negociação elevados no mercado de trabalho que garantem baixo desemprego e baixa inflação é muito exigente do ponto de vista das condições que devem figurar para que elas sejam exequíveis. Por exemplo, uma delas é uma população em rápida e sustentada desenvolvimento de qualificações - e com isto não quero dizer que seja necessário colocar toda a gente na universidade. Como o quadro deste post mostra, os países mais igualitários do ponto de vista da distribuição do rendimento são aqueles com uma forte participação da população jovem, nos anos finais do ensino secundário, em sectores vocacionais, que conferem competências mistas - ao mesmo tempo generalistas e específicas, próximas dos requisitos impostos pelo mercado de trabalho - ao jovens e lhe permitem uma inserção profissional mais rápida. Hoje, estes sistemas estão a perder progressivamente o carácter de bifurcação que implicavam no passado, e a permitir um futuro ingresso no ensino superior, em particular no sector politécnico. São, se quisermos, mais plataformas e não portas fechadas para um futueo diferente. Ou seja, estão a tornar-se mais generalistas sem perder o contacto com os empregadores e com as dinâmicas locais de mercado de trabalho - também porque hoje o emprego nos serviços requere competência mais gerais do que os skills industriais do passado, que foi quando estes sistemas de vocational and educational training foram criados.
Estes sistemas são muito importantes, mas a sua implantação e a sua manutenção sustentada ao longo do tempo não é nada fácil. Não é difícil o voluntarismo estatal - quando existe - esbarrar com a incapacidade dos sindicatos e do patronato em acolherem estas iniciativas e associarem-se a elas. A eficácia da acção unilateral do Estado será sempre limitada se não houver capacidade de associação entre empregadores por um lado, e entre trabalhadores por outro. Neste contexto, o mais fácil é o Estado gastar dinheiro, falhar na construção de novas dinâmicas, e o low skill equilibrium manter-se depois de todo o esforço envolvido.
Disse que a construção de estratégia social-democrata assente em instituições robustas será difícil, mas não será impossível. E no campo particular da educação, disse: se nada for invertido. É preciso andar depressa, e os próximos anos são muito importantes. É por isso que o programa "Novas Oportunidades", tão gozado pela intelligentsia pelo país fora nas últimas semanas, é tão central nesta estratégia de futuro. Que a dita intelligentsia não tenha percebido a gravidade do problema, bom, isso é tema para outros escritos.
Friday, May 18, 2007
Futuro difícil
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4 comments:
Percebo que este post esteja aqui, mas ao menos um link no peão justificava-se. Caso contrário é um pouco pregar aos convertidos, como eu...
E cá espero pelos outros escritos
Tens razão :)
Concordo no geral com o que escreve. Gostaria só de referir que o projecto lei de reforma das carreiras na Administração Pública (que pode encontrar em http://www.dgap.gov.pt/0abert/dgapmf_site.htm) me parece ir mais ao encontro do low skill equilibrium de que fala. Isto porque o grande patrão Estado prevê fundir a carreira dos técnicos superiores do regime geral que exige maiores qualificações - a licenciatura - com a carreira técnica, que inclui muita gente com o bacharelato ou habilitações inferiores (funcionários da carreira administrativa reclassificados). Por outro lado, possibilita que funcionários sem uma licenciatura possam aceder a esta carreira desde que os dirigentes assim o decidam. Corre-se pois o risco de uma subversão da valorização atribuída às qualificações feita pelo próprio Estado que dificilmente consigo perceber compatível com as «Novas Oportunidades».
Cristiana Tourais
Olá Cristiana, long time no see, desde o anterior "Véu". Faltavam aqui no "Véu2" as suas perguntas e vontade de discussão, seja bem vinda.
Confesso que não percebo a "rationale" dessa medida que enuncia e para a qual o Renato Carmo já tinha chamado a atenção n'"A Vez do Peão" há uns dias.
De qualquer forma, gostaria que não confundíssemos as coisas. O "Novas Oportunidades" (NO) não se apoia num fetichismo das qualificações, e dirige-se aos indivíduos sem qualificações no mercado de trabalho, ou seja, estamos a falar da fatia da população mais desqualificada, sem o 9º ou o 12º ano. Estamos portanto a falar de público diferentes. Explico isto mais à frente.
Eu percebo o receio das pessoas - que nesta altura do campeonato é também o meu - com a medida que enuncia: pode-se perder alguma independência e garantia de qualidade no recrutamento dos dirigentes. Acho que esse receio é legítimo e a medida vai até contra os príncípios de racionalidade burocrática Weberiana com que se coze tradicionalmente o Estado.
Por outro lado, e isto sem ter feito o trabalho de casa sobre esta questão, mas pelo menos para justificar a diferença entre o que está aqui em causa e o que se pretende com o NO, acho que vale a pena sublinhar um ponto. O NO permite, entre outras coisas, reduzir os custos de transacção no mercado de trabalho sobretudo no sector privado, porque a posse de uma qualificação ajuda - segundo a teoria do sinal desenvolvida por Stiglitz e outros nos anos 70 - a fazer a melhorar o "matching" entre empregadores e trabalhadores. Quando existe experiência não certificada (como se passa com tanta gente em Portugal no sector privado), ela é extremamente difícil de codificar em relações de mercado, porque há um grande desconhecimento entre quem compra e vende a força de trabalho. Tentei explicar isto aqui: http://avezdopeao.blogspot.com/2007/04/para-que-serve-uma-qualificao-i.html
Ora, o que se passa no Estado (como numa organização privada, aqui a diferença não é importante, desde que haja uma "hierarquia")? A diferença entre a relação descrita no parágrafo anterior e a situação numa burocracia estatal é que a qualificação se torna, talvez paradoxalmente, menos importante para avaliar o desempenho de um trabalhador/profissional. Se quisermos avaliar a sua qualidade, a eficácia, a produtividade, etc. talvez a posse de uma certifição/diploma seja menos importante do que numa relação "cega" de mercado. É por isso que as organizações/hierarquias/burocracias reduzem os custos de transcção que podem ser elevados em transacções mercantis onde faltam sinais credíveis para avaliar a qualidade prévia do "matching" entre empregadores e trabalahdores. A hierarquia burocrática, promovendo relações mais estáveis e de longue durée, fornece mais condições para as pessoas se fazerem notar pelo que fazem efectivamente, independentemente do que vem carimbado no seu diploma.
Bom, posso estar a fazer uma sobreinterpretação da medida em causa, claro :) Ela tornará o mercado dentro da administração pública mais competitivo, dado que fechará menos portas a quem não tem um diploma de licenciatura. Mas também abre as portas a favorecimentos arbitrários, e, por isso, a uma competição que pode ser legitimamente considerada como injusta.
Tenho que fazer algum trabalho de casa sobre este tema para poder falar-lhe com mais segurança empírica.
Hugo
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