Wednesday, July 25, 2007
Policy vs. politics
A imprensa e a oposição à direita - em particular o PSD - vivem cada vez mais da exploração dos casos - uns delicados, outros apenas exagero desmesurado - do que os anglo-saxónicos, sabiamente, afirmam pertencer ao domínio da politics, o da luta política quotidiana, onde vale mais ou menos tudo. A policy, essa, o espaço das orientações e objectivos estratégicos da política, fica sempre para segundo plano. Isto não é necessariamente estranho nem totalmente negativo: o que se faz - e como se faz - no dia-a-dia conta, e a pressão mediática tem destas coisas. Chama-se, afinal de contas, democracia. Mas convém não perder de vista o domínio da policy, sob pena de toda a discussão ficarmos reféns do que, sem termos presente um sentido do objectivo e do significado real da política, pode acabar na mais decadente intriga.
Tuesday, July 24, 2007
Wednesday, July 18, 2007
Os loucos anos 90 III
Os Pulp - also known as the most sociologically-minded-band-of-the-1990's-post-Thatcherist-Britain - com 'Common People', do álbum "Different Class" (1995).
Tuesday, July 17, 2007
Monday, July 16, 2007
Michael Moore e a CNN
O João Caetano chamou-me a atenção - e bem - por e-mail para o "debate" em curso entre a CNN e o Michael Moore no seguimento da reportagem e da entrevista a que aludi aqui. A CNN corrige algumas estatísticas usadas por Moore, e ainda bem.
Simplesmente, a questão central do debate não é essa. A dimensão e o significado político - e se quiserem, ideológico e moral - da discussão não se resolve com hiper-preciosismos estatísticos. Este só é necessário quando as disputas são too close to call. Mas, no caso em questão, saber se os EUA estão uns lugares acima ou abaixo nas tabelas internacionais ou se, em comparação com os outros países, gasta, per capita, umas centenas de dólares a mais ou menos em saúde não é de todo o que está em causa. O excesso de zelo estatístico não resolve o problema gravíssimo de um sistema que, como já havia escrito aqui, é incapaz de proteger uma parte muito significativa da população (46,6 milhões segundo dados de 2005, ou seja, 16% da população - sem dúvida aquela que mais precisaria de cuidados de saúde), já para não falar da cobertura incipiente de muitos. Para além dos 46 milhões acima referidos, estima-se que 37 milhões estão sem seguro largos durante períodos de tempo (dado que os seguros estão tipicamente attached aos empregos, quando se perde o emprego perde-se também o seguro de saúde), já para não falar daqueles que estão underinsured, uma vez que seguro de que dispõem é altamente limitado nos serviços e medicamentos que cobre.
Podíamos estar a discutir se são, de facto, 37 milhões ou 36 milhões, ou se o número mais correcto é 16% ou 15% ou se....O problema está lá e, sobretudo, está a agudizar-se. A CNN pode ter pontual razão estatística; Moore (de quem não sou grande fã) tem razão política - e, se quiserem, moral.
Simplesmente, a questão central do debate não é essa. A dimensão e o significado político - e se quiserem, ideológico e moral - da discussão não se resolve com hiper-preciosismos estatísticos. Este só é necessário quando as disputas são too close to call. Mas, no caso em questão, saber se os EUA estão uns lugares acima ou abaixo nas tabelas internacionais ou se, em comparação com os outros países, gasta, per capita, umas centenas de dólares a mais ou menos em saúde não é de todo o que está em causa. O excesso de zelo estatístico não resolve o problema gravíssimo de um sistema que, como já havia escrito aqui, é incapaz de proteger uma parte muito significativa da população (46,6 milhões segundo dados de 2005, ou seja, 16% da população - sem dúvida aquela que mais precisaria de cuidados de saúde), já para não falar da cobertura incipiente de muitos. Para além dos 46 milhões acima referidos, estima-se que 37 milhões estão sem seguro largos durante períodos de tempo (dado que os seguros estão tipicamente attached aos empregos, quando se perde o emprego perde-se também o seguro de saúde), já para não falar daqueles que estão underinsured, uma vez que seguro de que dispõem é altamente limitado nos serviços e medicamentos que cobre.
Podíamos estar a discutir se são, de facto, 37 milhões ou 36 milhões, ou se o número mais correcto é 16% ou 15% ou se....O problema está lá e, sobretudo, está a agudizar-se. A CNN pode ter pontual razão estatística; Moore (de quem não sou grande fã) tem razão política - e, se quiserem, moral.
Independência já!
O presidente do Governo Regional da Madeira, que suspendeu a aplicação na região da lei que despenaliza o aborto, considerou hoje que é Portugal «quem está na ilegalidade», por aplicar uma lei que não respeita o direito à vida.«Na minha formação política, primeiro estão os grandes princípios da defesa da pessoa humana e só depois está o positivismo da lei escrita», declarou.
Alguém pode explicar ao dr.Alberto João Jardim a diferença entre um Estado de Direito e um Estado "Moral"?
Cada vez que oiço/leio este criatura dizer estas cretinices, eu pergunto onde está o PSD. Aceitar calado - como se João Jardim fosse uma espécie de político freelancer, sem responsabilidades institucionais e partidárias - estas coisas é mais grave do que ter ficado em 3º nas eleições intercalares de Lisboa (coisa que origina logo a marcação de um congresso); é um continuado péssimo serviço que um partido como o PSD presta à qualidade da democracia e das instituições política portuguesas.
Se um dia oferecerem a independência ao dr.Jardim - coisa que pessaolmente não me importava nada - eu queria ver contra quem iria disparar o seu irresponsável discurso "anti-colonial". Politicamente falando, a Madeira continua mais perto da América Latina do que do "Contenente".
Alguém pode explicar ao dr.Alberto João Jardim a diferença entre um Estado de Direito e um Estado "Moral"?
Cada vez que oiço/leio este criatura dizer estas cretinices, eu pergunto onde está o PSD. Aceitar calado - como se João Jardim fosse uma espécie de político freelancer, sem responsabilidades institucionais e partidárias - estas coisas é mais grave do que ter ficado em 3º nas eleições intercalares de Lisboa (coisa que origina logo a marcação de um congresso); é um continuado péssimo serviço que um partido como o PSD presta à qualidade da democracia e das instituições política portuguesas.
Se um dia oferecerem a independência ao dr.Jardim - coisa que pessaolmente não me importava nada - eu queria ver contra quem iria disparar o seu irresponsável discurso "anti-colonial". Politicamente falando, a Madeira continua mais perto da América Latina do que do "Contenente".
Lisboa
A esquerda, no grande arco que vai do PCTP/MRPP ao PS, obteve cerca de 57% dos votos nas eleições intercalares de ontem em Lisboa. Continua, portanto, a ser uma cidade que vota predominantemente à esquerda. E, porém, se o PSD não estivesse partido ao meio, dividido entre as candidaturas de Carmona Rodrigues e Fernando Negrão, talvez tivesse ganho (os seus votos somam quase 32,5% dos votos, mais 3% do que a candidatura de António Costa). O que à direita é uma excepção é à esquerda a regra. Podíamos ter pago caro - se é que não o vamos pagar na governação de uma câmara dificilmente governável, em função dos mandatos atribuídos. Vamos ver se alguns conseguem ir para além da política do "bate pé".
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Love is a fire
«Love is a fire
It burns everyone
It desfigures everyone
It is the world's excuse
for being ugly».
Leonard Cohen,
in "Poemas e Canções". Vol.I (original de 1993; versão portuguesa editada pela Relógio d'Água, com tradução de Margarida Vale do Gato e Manuel Alberto)
It burns everyone
It desfigures everyone
It is the world's excuse
for being ugly».
Leonard Cohen,
in "Poemas e Canções". Vol.I (original de 1993; versão portuguesa editada pela Relógio d'Água, com tradução de Margarida Vale do Gato e Manuel Alberto)
Thursday, July 12, 2007
"Sicko", Michael Moore, a CNN e o papão da "socialized medicine"
Vale mesmo a pena perder aí um quarto de hora a ver estas peças televisivas que o Daniel Oliveira colocou aqui, bem como o seu comentário. Aquela peça da CNN sobre o novo filme de Michael Moore, "Sicko", é má demais. Independentemente da qualidade do filme de Moore (mas a realidade que retrata, relativa ao sistema de saúde norte-americano, é razoavelmente consensual), nada justifica semelhante jornalismo rasteiro. Se estes são os "padrões de jornalismo de qualidade mundial" da CNN, então estamos conversados.
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Wednesday, July 11, 2007
Será possível que Sarkozy - e o FMI - contribua decisivamente para a renovação do Partido Socialista Francês?
A resposta parece, à distância, ser um supreendente sim. Isso sim, seria uma acção em nome do "interesse geral"!
Monday, July 9, 2007
Futebol, ano 0
Há muitos anos, as coisas do mercado de transferência futebolístico levaram Ronaldo, que jogava então no PSV Endhoven, a assinar pelo FCBarcelona. Muito por culpa disso, 1995/1996 é o ano futebolístico de que tenho mais saudades. Ronaldo parecia um jogador do outro mundo, sistematicamente mais forte, mais rápido e mais habilidoso do que os 3 ou 4 jogadores que o circundavam e o abordavam no limite da violência. Depois daquilo, não tenho grande pena de não ter visto Pelé, Eusébio e companhia a jogar ao vivo.
Depois Ronaldo foi na cantiga das liras e trocou o Barcelona pelo futebol italiano. Foi uma pena. O catenaccio foi acabando com as suas pernas e o Barcelona sentiu a sua perda. Pior, mesmo, só o impacto sobre os adeptos que ainda guardam na memória as emoções que aquele ano - e em particular aquele mágico 5-4 contra o Atlético de Madrid na Taça do Rei - proporcionou.
Bom, mas 2007/2008 promete muito. É que Thierry Henry, que é provavelmente o melhor jogador mundo, deixou finalmente o Arsenal para se transferir para, claro, o FCBarcelona. Digo finalmente porque, apesar de o Arsenal ser o clube inglês de que mais gosto, Henry merecia um clube melhor. Como melhor jogador do mundo, já merecia estar naquele que é provavelmente o melhor clube do mundo.
Restam-lhe provavelmente ainda mais 2 anos com a mesma capacidade atlética. É tempo suficiente para fazer muitas das coisas que podem encontrar no video seguinte.
Depois Ronaldo foi na cantiga das liras e trocou o Barcelona pelo futebol italiano. Foi uma pena. O catenaccio foi acabando com as suas pernas e o Barcelona sentiu a sua perda. Pior, mesmo, só o impacto sobre os adeptos que ainda guardam na memória as emoções que aquele ano - e em particular aquele mágico 5-4 contra o Atlético de Madrid na Taça do Rei - proporcionou.
Bom, mas 2007/2008 promete muito. É que Thierry Henry, que é provavelmente o melhor jogador mundo, deixou finalmente o Arsenal para se transferir para, claro, o FCBarcelona. Digo finalmente porque, apesar de o Arsenal ser o clube inglês de que mais gosto, Henry merecia um clube melhor. Como melhor jogador do mundo, já merecia estar naquele que é provavelmente o melhor clube do mundo.
Restam-lhe provavelmente ainda mais 2 anos com a mesma capacidade atlética. É tempo suficiente para fazer muitas das coisas que podem encontrar no video seguinte.
Friday, July 6, 2007
Não matem o bebé...
Carvalho da Silva acusa debate sobre flexigurança de estar enviesado.
Resta saber quem o enviesou ou tem mais interesse em enviesá-lo. Sob pena de se fazerem comparações directas e frágeis com a Dinamarca, está-se a retirar a virtualidade à flexisegurança, que deve ser concebido como um modelo de relações laborais de geometria relativamente variável, e não como uma solução mágica e de tamanho único.
A discussão em torno deste modelo deve continuar, de forma serena, e sem a intenção deliberada de assustar as pessoas, que por vezes parece ser o primeiro objectivo sindical.
Convém não esquecer uma coisa para os próximos anos: se o mercado de trabalho português não sofrer algum tipo de flexibilização, não vejo como a economia terá capacidade para (e os agentes económicos interesse em) gerar emprego, de forma a absorver as pessoas cujo emprego nenhum código laboral, nem o mais seguro do mundo, vão muito provavelmente ser perdido, devido à competição internacional. Costumo dizer que aqui não vale mesmo nada a pena ser "fetichista da lei", e pensar que ela resolve tudo; não só não resolve (há tantas formas de a evitar: não criar emprego; comprar uma máquina em vez de contratar um trabalhador; sub-contratar o trabalhador com esquemas hiperflexíveis; alimentar o mercado negro, onde nenhuma lei conta, tirando, claro, a "lei do mais forte", etc.) como por vezes pode jogar contra as pessoas - a começar pelos desempregados. No sindicalismo costuma-se dizer que é uma estupidez "colocar trabalhadores contra trabalhadores", mesmo que um destes grupo reúna trabalhadores no desemprego (que querem o que só os primeiros têm e que é limitado: emprego); no plano teórico eu até concordo, mas sou sensível à miopia ideológica a que isto pode levar: é que não se trata de, no discurso, supostamente maquivélico, colocar trabalhadores contra trabalhadores; trata-se de reconhecer que, na realidade do mercado laboral, os trade-offs existentes e a que ninguém pode fugir, esta competição existe, e que para a tornarmos mais equitativa e redistribuirmos os riscos, temos que partir da realidade do problema em vez de nos fecharmos em slogans ideológicos. O problema existe, e é o seu reconhecimento que nos deve obrigar a olhar de frente e a procurar a solução mais adqueada a todos, a começar pelos interesses dos mais fracos. Ou seja, a unidade dos trabalhadores deve ser o resultado almejado pela reflexão e pela acção política inteligente e correcta, e não um a priori ideológico que pode, no limite, apenas reproduzir os problemas - os problemas dos mesmos trabalhadores que os sindicatos representam.
Enquanto modelo, a flexisegurança é, implica, obriga também a uma mudança de mentalidades. O essencial no futuro não é proteger os empregos a todo o custo (isso, convém repetir, nenhuma lei conseguirá, e isso nem sequer é desejável em todos os contextos); o essencial é proteger as pessoas, estejam elas empregadas num dado momento ou não. Se não gostarem da palavra "flexisegurança", arranjem outra; mas este princípio é muito importante, demasiado importante para ser denegrido ou esquecido pelos interesses imediatos do sindicalismo, que deve reconhecer a amplitude do problema do desemprego (em particular o de longa duração) e da dificuldade da criação de emprego (ainda por cima num contexto de acelerado desenvolvimento tecnológico, onde compensa muito mais, para algumas tarefas, "contratar" uma máquina) em algumas economias da Europa. E sem capacidade de criação de emprego, muito dificilmente teremos um mecanismo sustentado para evitar o cavar do fosso das desigualdades.
Adenda 1: ler, sobre o mesmo assunto, isto.
Adenda 2: o debate prossegue aqui.
Resta saber quem o enviesou ou tem mais interesse em enviesá-lo. Sob pena de se fazerem comparações directas e frágeis com a Dinamarca, está-se a retirar a virtualidade à flexisegurança, que deve ser concebido como um modelo de relações laborais de geometria relativamente variável, e não como uma solução mágica e de tamanho único.
A discussão em torno deste modelo deve continuar, de forma serena, e sem a intenção deliberada de assustar as pessoas, que por vezes parece ser o primeiro objectivo sindical.
Convém não esquecer uma coisa para os próximos anos: se o mercado de trabalho português não sofrer algum tipo de flexibilização, não vejo como a economia terá capacidade para (e os agentes económicos interesse em) gerar emprego, de forma a absorver as pessoas cujo emprego nenhum código laboral, nem o mais seguro do mundo, vão muito provavelmente ser perdido, devido à competição internacional. Costumo dizer que aqui não vale mesmo nada a pena ser "fetichista da lei", e pensar que ela resolve tudo; não só não resolve (há tantas formas de a evitar: não criar emprego; comprar uma máquina em vez de contratar um trabalhador; sub-contratar o trabalhador com esquemas hiperflexíveis; alimentar o mercado negro, onde nenhuma lei conta, tirando, claro, a "lei do mais forte", etc.) como por vezes pode jogar contra as pessoas - a começar pelos desempregados. No sindicalismo costuma-se dizer que é uma estupidez "colocar trabalhadores contra trabalhadores", mesmo que um destes grupo reúna trabalhadores no desemprego (que querem o que só os primeiros têm e que é limitado: emprego); no plano teórico eu até concordo, mas sou sensível à miopia ideológica a que isto pode levar: é que não se trata de, no discurso, supostamente maquivélico, colocar trabalhadores contra trabalhadores; trata-se de reconhecer que, na realidade do mercado laboral, os trade-offs existentes e a que ninguém pode fugir, esta competição existe, e que para a tornarmos mais equitativa e redistribuirmos os riscos, temos que partir da realidade do problema em vez de nos fecharmos em slogans ideológicos. O problema existe, e é o seu reconhecimento que nos deve obrigar a olhar de frente e a procurar a solução mais adqueada a todos, a começar pelos interesses dos mais fracos. Ou seja, a unidade dos trabalhadores deve ser o resultado almejado pela reflexão e pela acção política inteligente e correcta, e não um a priori ideológico que pode, no limite, apenas reproduzir os problemas - os problemas dos mesmos trabalhadores que os sindicatos representam.
Enquanto modelo, a flexisegurança é, implica, obriga também a uma mudança de mentalidades. O essencial no futuro não é proteger os empregos a todo o custo (isso, convém repetir, nenhuma lei conseguirá, e isso nem sequer é desejável em todos os contextos); o essencial é proteger as pessoas, estejam elas empregadas num dado momento ou não. Se não gostarem da palavra "flexisegurança", arranjem outra; mas este princípio é muito importante, demasiado importante para ser denegrido ou esquecido pelos interesses imediatos do sindicalismo, que deve reconhecer a amplitude do problema do desemprego (em particular o de longa duração) e da dificuldade da criação de emprego (ainda por cima num contexto de acelerado desenvolvimento tecnológico, onde compensa muito mais, para algumas tarefas, "contratar" uma máquina) em algumas economias da Europa. E sem capacidade de criação de emprego, muito dificilmente teremos um mecanismo sustentado para evitar o cavar do fosso das desigualdades.
Adenda 1: ler, sobre o mesmo assunto, isto.
Adenda 2: o debate prossegue aqui.
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O que faço aqui
«Não sei se o mundo mentiu
eu menti
não sei se o mundo conspirou contra o amor
eu conspirei contra o amor
O ambiente de tortura não é confortável
eu torturei
Mesmo sem a nuvem do cogumelo
teria odiado
Escutem
teria feito o mesmo
mesmo que a morte nao existisse
não me colocarão como a um bêbedo
sob a fria torneira dos factos
recuso o alibi universal
Como uma cabine telefónica vazia junto à qual passas a noite
e depois recordas
como espelhos de um vestíbulo de cinema
consultados só à saída
como uma ninfomaníaca que une um milhar
numa estranha irmandade
eu espero
que cada um de vós confesse»
Leonard Cohen, in "Poemas e Canções". Vol.I
(original de 1993; versão portuguesa editada pela Relógio d'Água, com tradução de Margarida Vale do Gato e Manuel Alberto)
eu menti
não sei se o mundo conspirou contra o amor
eu conspirei contra o amor
O ambiente de tortura não é confortável
eu torturei
Mesmo sem a nuvem do cogumelo
teria odiado
Escutem
teria feito o mesmo
mesmo que a morte nao existisse
não me colocarão como a um bêbedo
sob a fria torneira dos factos
recuso o alibi universal
Como uma cabine telefónica vazia junto à qual passas a noite
e depois recordas
como espelhos de um vestíbulo de cinema
consultados só à saída
como uma ninfomaníaca que une um milhar
numa estranha irmandade
eu espero
que cada um de vós confesse»
Leonard Cohen, in "Poemas e Canções". Vol.I
(original de 1993; versão portuguesa editada pela Relógio d'Água, com tradução de Margarida Vale do Gato e Manuel Alberto)
Thursday, July 5, 2007
Os loucos anos 90
Hoje é dia de Jesus and Mary Chains no "Super Bock Super Rock", mas a nostalgia por aqui tem o nome de Suede, com New Generation, do álbum Dog Man Star (1995), grande, grande faixa.
I wake up every day to see her back again
Screaming my name through the astral plane
And in this catalogue town she takes me down
Down through the platinum spires
Down through the telephone wires
And we shake it around in the underground
And like a new generation rise
And like all the boys in all the cities
I take the poison, take the pity
But she and I, we soon discovered
we'd take the pills to find each other
Oh but when she is calling here in my head
Can you hear her calling
And what she has said?
Oh but when she is calling here in my head
It's like a new generation calling
Can you hear it call?
And I'm losing myself, losing myself to you
I wake up every day, to find her back again
Breeding disease on her hands and knees
While the styles turn and the books still burn
Yes it's there in the platinum spires
It's there in the telephone wires
And we spread it around to a techno sound
But like a new generation rise
Cos like all the boys in all the cities
I take the poison, take the pity
But she and I we soon discover
We take the pills to find each other
Oh but when she is calling here in my head
Can you hear her calling?
And what she has said?
Oh but when she is calling here in my head
It's like a new generation calling
Can you hear her call?
And I'm losing myself, losing myself to you
Wednesday, July 4, 2007
Porque a esquerda francesa vai demorar muito tempo a regressar ao poder?
Porque o governo de François Fillon vai ocupar todo o espaço político eleitoralmente relevante, dado que se prepara para tomar uma série de medidas bastante ao centro, tocando mesmo o centro-esquerda (ver excerto da notícia do "Público on-line"). E vai deixar o Partido Socialista Francês sem espaço para respirar, vendo o centro-direita tomar medidas que devia ser ele a adoptar, se estivesse no poder. Pela enésima vez desde 1958.
No mesmo espírito de reforma, Fillon anunciou um aumento das dotações para as universidades – que classificou como a sua "prioridade absoluta" –, elevando para cinco mil milhões de euros o investimento no ensino superior até 2012. "Queremos reformar a universidade francesa e fazer das nossas escolas pólos de excelência, dispondo de real autonomia, financeiramente responsáveis e pedagogicamente melhoradas", afirmou, dizendo esperar que nos próximos anos seja possível que 50 por cento dos jovens franceses obtenham um diploma do superior. O Governo pretende também aumentar o investimento na investigação para três por cento do PIB – nível considerado desejável pela UE. "Não serei dos que sacrificam a investigação essencial sob pretexto de que ela é improdutiva a curto prazo", justificou, lembrando que França tem vindo a perder terreno nesta área para outros países europeus. A construção de 120 mil habitações sociais por ano, a aposta na formação profissional e um plano para os bairros considerados difíceis foram outras das promessas feitas pelo novo primeiro-ministro na intervenção no Parlamento, durante o qual confirmou que o Governo irá aplicar o princípio da admissão de um único funcionário por cada dois que se reformem.
No mesmo espírito de reforma, Fillon anunciou um aumento das dotações para as universidades – que classificou como a sua "prioridade absoluta" –, elevando para cinco mil milhões de euros o investimento no ensino superior até 2012. "Queremos reformar a universidade francesa e fazer das nossas escolas pólos de excelência, dispondo de real autonomia, financeiramente responsáveis e pedagogicamente melhoradas", afirmou, dizendo esperar que nos próximos anos seja possível que 50 por cento dos jovens franceses obtenham um diploma do superior. O Governo pretende também aumentar o investimento na investigação para três por cento do PIB – nível considerado desejável pela UE. "Não serei dos que sacrificam a investigação essencial sob pretexto de que ela é improdutiva a curto prazo", justificou, lembrando que França tem vindo a perder terreno nesta área para outros países europeus. A construção de 120 mil habitações sociais por ano, a aposta na formação profissional e um plano para os bairros considerados difíceis foram outras das promessas feitas pelo novo primeiro-ministro na intervenção no Parlamento, durante o qual confirmou que o Governo irá aplicar o princípio da admissão de um único funcionário por cada dois que se reformem.
Naturalmente
"Orçamento do Estado deve deixar de financiar ADSE", defende Jorge Simões, numa entrevista importante publicada no "Público" de ontem. E isto por uma questão de justiça - ou, se quiserem, de equidade -, na linha da argumentação que já havia defendido aqui.
Jorge Simões é o presidente de uma comissão de peritos que produziu recentemente um relatório sobre a sustentabilidade do Sistema Nacional de Saúde, disponível aqui.
Depois volto a este assunto.
Jorge Simões é o presidente de uma comissão de peritos que produziu recentemente um relatório sobre a sustentabilidade do Sistema Nacional de Saúde, disponível aqui.
Depois volto a este assunto.
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Monday, July 2, 2007
Parênteses sobre o abandono escolar
Antes de ir ao post sobre o papel da educação numa estratégia de esquerda social-democrata num mundo globalizado, faço um parênteses sobre a questão do abandono escolar, que era afinal de contas o tema do meu artigo no dossiê do "Le Monde Diplomatique" do mês de Junho. Uma das razões pelas quais o abandono escolar me parece ser negligenciado não se deve apenas ao middle class bias que apontei no artigo. No caso de muitos, desconfio que vá mesmo mais fundo: é que convém não esquecer - e a boa memória é importante em política - que, por alturas dos anos 70 (ou seja, há não muito tempo), o abandono escolar era elogiado, mesmo que implicitamente, à esquerda. Abandonar a escola era, afinal de contas, resistir à "educação burguesa", era renunciar à "competição individual", era recusar a "institucionalização na ordem capitalista"; os lads filhos da working class, ao deixarem a escola, ofereciam à esquerda uma espécie de potencial vanguarda revolucionária, retomando a luta que os seus pais haviam renunciado.
A desgraça, claro, é que os lads não só não constituíram força revolucionária nenhuma contra nada (tirando, claro, as mais mediáticas formas de mobilização social destes indivíduos nos anos 80: o hooliganismo nos estádios e nas ruas das cidades inglesas), como foram os que mais fragilizados estavam perante o choque Thatcheriano do início dos anos 80. Sem qualificações e não sindicalizados, foram carne para canhão para as estratégias de desregulação do mercado laboral britânico e para os cortes nas transferências sociais. Pergunto se, entre os que incentivavam o abandono escolar dos would-be revolutionaries, alguém fez um sério mea culpa.
Não me espantaria nada que hoje ainda existisse por aí um resquício deste pensamento. É que se a escola é "capitalista", então é porque não vale muito a pena continuar nela. Daí a encolhermos os ombros perante o fenómeno do abandono escolar, vai um passo. Como diz uma canção popular inglesa: «The music has gone but the melody lingers on».
A desgraça, claro, é que os lads não só não constituíram força revolucionária nenhuma contra nada (tirando, claro, as mais mediáticas formas de mobilização social destes indivíduos nos anos 80: o hooliganismo nos estádios e nas ruas das cidades inglesas), como foram os que mais fragilizados estavam perante o choque Thatcheriano do início dos anos 80. Sem qualificações e não sindicalizados, foram carne para canhão para as estratégias de desregulação do mercado laboral britânico e para os cortes nas transferências sociais. Pergunto se, entre os que incentivavam o abandono escolar dos would-be revolutionaries, alguém fez um sério mea culpa.
Não me espantaria nada que hoje ainda existisse por aí um resquício deste pensamento. É que se a escola é "capitalista", então é porque não vale muito a pena continuar nela. Daí a encolhermos os ombros perante o fenómeno do abandono escolar, vai um passo. Como diz uma canção popular inglesa: «The music has gone but the melody lingers on».
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Notas sobre o debate do "Le Monde Diplomatique" e outras reflexões (II)
1. Um dos elementos que veio a debate a certo ponto foi a questão das prioridades: o que interessa estudar e sobre o que interessa intervir. Algumas vozes na audiência alinharam pela posição de que, por exemplo no sector da educação, todas as questões são importantes: as desigualdades no ensino básico, secundário, superior; a questão da transição do ensino superior para o mercado de trabalho, etc. Num certo sentido, não posso discordar; sobretudo quando falamos de um programa académico em torno, por exemplo, das questões da sociologia e da economia da educação, vários objectos merecem atenção simétrica.
No entanto, quando se passa à intervenção política a questão não é assim tão simples (e ela não é assim tão simples na dimensão da investigação, mas deixo isso por agora de lado). Aintervenção política é obrigada a definir prioridades, sob pena de gastar mal os seus recursos, que são por definição finitos: recursos financeiros, humanos, temporais, de credibilidade política, etc. Mesmo que se identifiquem n problemas, não podemos "ir" a todos ao mesmo tempo, com a mesma energia, sob pena de não resolvermos nenhum. Por isso é absolutamente indispensável definir prioridades, dizer "X é importante, sim, mas não tão importante como Y, que precisamos de resolver agora, sob pena de qualquer acção presente ou futura sob X ser infrutífera". Ora, isto, à esquerda, parece ser difícil, porque implica estabelecer uma hierarquia de preocupações. Mas, desculpem este tipo de argumento, só quem está de fora e não tem de gerir os múltiplos recursos acima mencionados - escassos, repito, e por vezes alguns muito escassos mesmo - é que se pode dar ao luxo de dizer que "tudo é importante".
Mas não pode ser: hoje, a prioridade na educação em Portugal é elevar a qualidade no ensino básico, a começar no 1ºciclo, porque é aqui que se começam a construir os alicerces das aprendizagens futuras. Melhor: este alicerces devem começar mais cedo, entre os 0 e os 3 anos, e entre os 3 e os 6 anos. Aqui, ainda há muito por fazer em Portugal.
2. Outro argumento que emergiu a dada altura tocou a questão do TGV, problematizando o dito "modelo de desenvolvimento" do país. Aparentemente, à esquerda este parece uma estratégia antiquada, destinada a manter-nos presos a uma trajectória económica nas baixas qualificações. Devo confessar que este é daquele tipo de críticas que à esquerda me causa profunda confusão (já percebo que a direita se insurja conta o despesismo estatal e esse tipo de coisas); todos critica a (suposta) morte do keynesianismo e da intervenção redistributiva do Estado na economia. Bom, mas o TGV, a Ota e tudo o mais que quiserem meter no saco das obras públicas é o ABC do keynesianismo. O efeito multiplicador de uma obra desta envergadura vai permitir não apenas construir novas vias de ligação intra- e internacionais, mas vai permitir dar emprego a muitas pessoas que dependem deste tipo de actividade pelo país fora, e isto não se cinge, naturalmente, ao trabalho não-qualificado. Quando me dizem "ah, mas isso vai só alimentar o trabalho não-qualificado?", o que me apetece perguntar é: "pronto, então preferem que essas pessoas fiquem todas no desemprego?!". Claro que do ponto de vista do "quanto melhor, pior", isto seria óptimo: o desemprego dispararia ainda mais, e o descontentamento popular também. Os extremos populistas agradeceriam.
Para além do mais, dizer que uma obra desta envergadura colide com o upgrade tecnológico e empresarial da nossa economia não tem razão de ser. Todos os países de Europa muito mais bem armados em infra-estruturas do que Portugal investem recorrentemente em obras deste tipo; podemos discordar de uma opção ou outra, mas isto mostra que nenhum país, mesmo se a sua economia é alimentada pela inovação tecnológica, dispensa constantes investimentos infra-estruturais. E, já agora, convém não esquecer que no orçamento 2007, o único ministério que viu a sua fatia aumentar foi o da Ciência e Tecnologia e do Ensino Superior, e na ordem dos 60%. Se isto não é uma afirmação de uma prioridade política, então não sei o que é.
O fundamental, no futuro, é reduzir a percentagem nacional de trabalhadores que só pode ser empregue em actividades intensivas em mão-de-obra. Isto é absolutamente essencial, para que essas pessoas possam encontrar emprego em actividades menos violentas do ponto de vista físico e mais enriquecedoras do ponto de vista profissional e humano. Para isso, é preciso formar e qualificar, mas isto não chega.
3. A pergunta mais importante que me foi colocada versou sobre o papel da educação na política económica: será que a educação vai resolver todos os problemas futuros, de forma que podemos esquecer as outras alavancas de intervenção económica? Não. Pelo menos, eu não concordo nada com esta estratégia, expressa, por exemplo, no manifesto de 1997 do New Labour - que lhe permitiu ganhar ao fim de 18 anos de governo dos Conservadores -, onde se lê que “education as the best policy as we have”. À esquerda é legítima a dúvida de que isto pode ser uma armadilha. O meu próximo post andará à volta desta questão, mas deixo uma nota: quem ouviu na sexta-feira anterior a esta última, numa sessão aberta ao público, as intervenções de Anthony Giddens (um dos ideólogos da "terceira via" blairista que passou, como se recordarão, por Lisboa) e do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, sobre a globalização, o trabalho e a social-democracia, terá ficado a perceber a diferença entre diferentes estratégias social-democratas num mundo em globalização.
No entanto, quando se passa à intervenção política a questão não é assim tão simples (e ela não é assim tão simples na dimensão da investigação, mas deixo isso por agora de lado). Aintervenção política é obrigada a definir prioridades, sob pena de gastar mal os seus recursos, que são por definição finitos: recursos financeiros, humanos, temporais, de credibilidade política, etc. Mesmo que se identifiquem n problemas, não podemos "ir" a todos ao mesmo tempo, com a mesma energia, sob pena de não resolvermos nenhum. Por isso é absolutamente indispensável definir prioridades, dizer "X é importante, sim, mas não tão importante como Y, que precisamos de resolver agora, sob pena de qualquer acção presente ou futura sob X ser infrutífera". Ora, isto, à esquerda, parece ser difícil, porque implica estabelecer uma hierarquia de preocupações. Mas, desculpem este tipo de argumento, só quem está de fora e não tem de gerir os múltiplos recursos acima mencionados - escassos, repito, e por vezes alguns muito escassos mesmo - é que se pode dar ao luxo de dizer que "tudo é importante".
Mas não pode ser: hoje, a prioridade na educação em Portugal é elevar a qualidade no ensino básico, a começar no 1ºciclo, porque é aqui que se começam a construir os alicerces das aprendizagens futuras. Melhor: este alicerces devem começar mais cedo, entre os 0 e os 3 anos, e entre os 3 e os 6 anos. Aqui, ainda há muito por fazer em Portugal.
2. Outro argumento que emergiu a dada altura tocou a questão do TGV, problematizando o dito "modelo de desenvolvimento" do país. Aparentemente, à esquerda este parece uma estratégia antiquada, destinada a manter-nos presos a uma trajectória económica nas baixas qualificações. Devo confessar que este é daquele tipo de críticas que à esquerda me causa profunda confusão (já percebo que a direita se insurja conta o despesismo estatal e esse tipo de coisas); todos critica a (suposta) morte do keynesianismo e da intervenção redistributiva do Estado na economia. Bom, mas o TGV, a Ota e tudo o mais que quiserem meter no saco das obras públicas é o ABC do keynesianismo. O efeito multiplicador de uma obra desta envergadura vai permitir não apenas construir novas vias de ligação intra- e internacionais, mas vai permitir dar emprego a muitas pessoas que dependem deste tipo de actividade pelo país fora, e isto não se cinge, naturalmente, ao trabalho não-qualificado. Quando me dizem "ah, mas isso vai só alimentar o trabalho não-qualificado?", o que me apetece perguntar é: "pronto, então preferem que essas pessoas fiquem todas no desemprego?!". Claro que do ponto de vista do "quanto melhor, pior", isto seria óptimo: o desemprego dispararia ainda mais, e o descontentamento popular também. Os extremos populistas agradeceriam.
Para além do mais, dizer que uma obra desta envergadura colide com o upgrade tecnológico e empresarial da nossa economia não tem razão de ser. Todos os países de Europa muito mais bem armados em infra-estruturas do que Portugal investem recorrentemente em obras deste tipo; podemos discordar de uma opção ou outra, mas isto mostra que nenhum país, mesmo se a sua economia é alimentada pela inovação tecnológica, dispensa constantes investimentos infra-estruturais. E, já agora, convém não esquecer que no orçamento 2007, o único ministério que viu a sua fatia aumentar foi o da Ciência e Tecnologia e do Ensino Superior, e na ordem dos 60%. Se isto não é uma afirmação de uma prioridade política, então não sei o que é.
O fundamental, no futuro, é reduzir a percentagem nacional de trabalhadores que só pode ser empregue em actividades intensivas em mão-de-obra. Isto é absolutamente essencial, para que essas pessoas possam encontrar emprego em actividades menos violentas do ponto de vista físico e mais enriquecedoras do ponto de vista profissional e humano. Para isso, é preciso formar e qualificar, mas isto não chega.
3. A pergunta mais importante que me foi colocada versou sobre o papel da educação na política económica: será que a educação vai resolver todos os problemas futuros, de forma que podemos esquecer as outras alavancas de intervenção económica? Não. Pelo menos, eu não concordo nada com esta estratégia, expressa, por exemplo, no manifesto de 1997 do New Labour - que lhe permitiu ganhar ao fim de 18 anos de governo dos Conservadores -, onde se lê que “education as the best policy as we have”. À esquerda é legítima a dúvida de que isto pode ser uma armadilha. O meu próximo post andará à volta desta questão, mas deixo uma nota: quem ouviu na sexta-feira anterior a esta última, numa sessão aberta ao público, as intervenções de Anthony Giddens (um dos ideólogos da "terceira via" blairista que passou, como se recordarão, por Lisboa) e do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, sobre a globalização, o trabalho e a social-democracia, terá ficado a perceber a diferença entre diferentes estratégias social-democratas num mundo em globalização.
Notas sobre o debate do "Le Monde Diplomatique" e outras reflexões (I)
1. Comecei por dizer, de forma provocatória, o que já tinha escrito aqui: que, dado o défice de qualificações da grande maioria dos activos portugueses, a estratégia mais apetecível e fácil, do ponto de vista económico, é assumir que a nossa mão-de-obra deve, num contexto de competição crescentemente global, "vergar-se" aos seus défices de qualificação e produtividade (muito longe da média da UE...), e assumir que a única estratégia possível de desenvolvimento passa pela estagnação (ainda maior) dos salários e uma massiva desregulação do mercado de trabalho, o que abanaria a economia, e obrigando as empresas "incapazes" a abrir falência. O desemprego subiria, sim, mas o ajuste levaria a que as pessoas não tivessem outra alternativa senão ajustar-se às transformações futuras do mercado de trabalho desregulado, aceitando qualquer emprego - hiperflexível, mal remunerado, etc. - num sector de serviços em crescimento. A prazo, o desemprego desceria, sim, mas com um custo brutal de aumento das desigualdades e dualização da sociedade. Esta é a conhecida por estratégia anglo-saxónica, assente em que tudo o que é low: low skills-low wage-low regulation.
Esta não é, obviamente, a única estratégia possível, e não é a estratégia a ser seguida pelo actual Governo. A outra grande alternativa é qualificar a população, recuperando o tempo perdido, e atrair investimento, promovendo a mudança da estrutura ocupacional (que é, em Portugal, ainda muito diferente dos países mais prósperos da UE), e fazendo pequenos ajustes na legislação laboral (quem acha que a discussão actual sobre a "liberalização dos despedimentos", etc., é a expressao do neo-liberalismo, nao faz a mínima ideia do que é um mercado laboral regido pelo dito "neo-liberalismo", e de quão longe estamos dele, e de como a nossa legislação produz situações perversas para os trabalhadores - precisamente aqueles que a lei devia proteger. Mas alguém está disposto a discutir isto seriamente?!). Ainda há muitos avanços a fazer na transformação da nossa estrutura económica em direcção a um modelo cujo motor passe a ser o trabalho qualificado no sectores mais dinâmicos da economia de serviços e do conhecimento. Esta estratégia é, também, mais morosa do que a anterior, e isso é fundamental que as pessoas percebam: porque não implica nenhum "choque", mas um - mesmo que robusto - incrementalismo, ela tem que ser avaliada pelos frutos que permitirá a longo prazo, e pela capacidade que tem de colocar o país numa trajectória de crescimento sustentado. De nada vale a pena crescer um ou dois anos se a estrutura económica do país ficar na mesma e voltarmos aos mesmos problemas logo a seguir. Por isso é preciso esperar. E para esperar é preciso paciência. E para ter paciência é preciso ter confiança: confiança individual, por um lado, e confiança institucional por outro, em particular por parte dos parceiros institucionais que devem levar a sério uma estratégia de desenvolvimento cujo sucesso passa também pelo seu envolvimento activo nela. O clima de constante guerrilha institucional não traz benefícios para ninguém, tirando, claro, os populistas de esquerda ou direita, que verão no aumento do descontentamento generalizado uma oportunidade para aumentarem a sua quota eleitoral, subindo mais uns pontitos percentuais. Nesse sentido, a "estratégia do quanto pior, melhor", que faz parte da tradição política de uma certa esquerda, continua a ter uma actualidade perene.
2. Suponho que as pessoas não tenham gostado da minha redução das estratégias de desenvolvimento a duas opções. É legítimo, mas a incapacidade de propor estratégias alternativas é confrangedora. No campo da esquerda populista, sem qualquer vocação de Governo e que nunca o terá que exercer - o que é um convite à mais pueril irresponsabilidade política -, continua-se a eleger a "iniciativa privada" e a falar da "economia" e das "empresas" como se não vivêssemos numa economia de mercado, como se a maior parte da população não estivesse nela empregada, e como se os serviços que a maior parte dos aderentes da esquerda populista dispôs ao longo da sua vida - escolaridade gratuita ou saúde tendencialmente gratuita, já para não falar das transferências sociais que completam a estrutura do Estado social - não fossem pagos pelo mesmo "mercado". Há alturas em que eu percebo - sem, naturalmente, concordar - a força que o pensamento de direita ganhou em certos círculos, tornando-se verdadeirmante dogmática e anti-esquerda: é com tanta má fé, tanta denegação, tanta incapacidade para olhar certos factos elementares de frente (o que, vindo por vezes de cientistas sociais, me deixa francamente perplexo) tanta incapacidade para perceber como o Estado só tem dinheiro para pagar o que achamos que deve pagar (e que é, tem de ser, finito, e por isso inteligentemente limitado e definido) se conseguir colectar os impostos que derivam dos lucros produzidos pela tal infâme "iniciativa privada", etc. etc., é natural que à direita se ache que a esquerda que não faz mais nada que dizer mal do "mercado", etc., deve ser denunciada de "parasita".
3. Esta forma de não pensar o mundo actual leva a que a esquerda populista, que adora dizer que tudo o resto é de "direita", esteja completamente ausente do debate político concreto, da discussão de ideias para o futuro, da proposta de soluções, etc.. Porque recusa tudo ou quase tudo que se faz (tudo é de "direita") ou porque tudo é um "compromisso" e um "desvio" ("social-democrata" ou outro), esta esquerda entrega, num acto verdadeiramente suicida, o espaço do debate em torno das opções estratégias de policy à direita e à esquerda social-democrata. A sua posição define-se por ser do "contra" o "neo-liberalismo" e o "capitalismo" e etc., sendo que estas categorias, repetidas até à exaustão, funcionam como etiquetas e "marcadores tribais" e nunca como conceitos que devem ser definidos e sujeitos a um "reality check" (o que, repito, quando falamos de cientistas sociais, me parece grave). As eventuais propostas realizadas estão tão longe da realidade e são, na maior parte, e enquanto eventual modelo de desenvolvimento alternativo, tão impossíveis de colocar em prática, que não merecem na maior parte das vezes levadas a sério. E porque não são levadas a sério, não são discutidas por ninguém no espaço público, nem nunca farão parte de nenhum programa político capaz de convencer o eleitorado - o que, em democracia, é, no mínimo, se me é permitida a ironia, um pequenino handicap.
Depois volto a outras questões levantadas no debate e a outras reflexões laterais.
P.S. - Já o disse em resposta ao Carlos Leone na caixa de comentários deste post, mas para que fique claro - e o Renato Carmo chamou-me a atenção para isto, penso que é perfeitamente justo -, a minha saída do Peão nada tem a ver com o que se passou no debate - que, reafirmo, foi cordial e interessante, mesmo que previsível q.b. -, até porque quando falo de "esquerda populista" neste post não me estou a referir a nenhum dos membros activos do Peão. Para quem não restem confusões, era importante esclarecer este ponto.
Esta não é, obviamente, a única estratégia possível, e não é a estratégia a ser seguida pelo actual Governo. A outra grande alternativa é qualificar a população, recuperando o tempo perdido, e atrair investimento, promovendo a mudança da estrutura ocupacional (que é, em Portugal, ainda muito diferente dos países mais prósperos da UE), e fazendo pequenos ajustes na legislação laboral (quem acha que a discussão actual sobre a "liberalização dos despedimentos", etc., é a expressao do neo-liberalismo, nao faz a mínima ideia do que é um mercado laboral regido pelo dito "neo-liberalismo", e de quão longe estamos dele, e de como a nossa legislação produz situações perversas para os trabalhadores - precisamente aqueles que a lei devia proteger. Mas alguém está disposto a discutir isto seriamente?!). Ainda há muitos avanços a fazer na transformação da nossa estrutura económica em direcção a um modelo cujo motor passe a ser o trabalho qualificado no sectores mais dinâmicos da economia de serviços e do conhecimento. Esta estratégia é, também, mais morosa do que a anterior, e isso é fundamental que as pessoas percebam: porque não implica nenhum "choque", mas um - mesmo que robusto - incrementalismo, ela tem que ser avaliada pelos frutos que permitirá a longo prazo, e pela capacidade que tem de colocar o país numa trajectória de crescimento sustentado. De nada vale a pena crescer um ou dois anos se a estrutura económica do país ficar na mesma e voltarmos aos mesmos problemas logo a seguir. Por isso é preciso esperar. E para esperar é preciso paciência. E para ter paciência é preciso ter confiança: confiança individual, por um lado, e confiança institucional por outro, em particular por parte dos parceiros institucionais que devem levar a sério uma estratégia de desenvolvimento cujo sucesso passa também pelo seu envolvimento activo nela. O clima de constante guerrilha institucional não traz benefícios para ninguém, tirando, claro, os populistas de esquerda ou direita, que verão no aumento do descontentamento generalizado uma oportunidade para aumentarem a sua quota eleitoral, subindo mais uns pontitos percentuais. Nesse sentido, a "estratégia do quanto pior, melhor", que faz parte da tradição política de uma certa esquerda, continua a ter uma actualidade perene.
2. Suponho que as pessoas não tenham gostado da minha redução das estratégias de desenvolvimento a duas opções. É legítimo, mas a incapacidade de propor estratégias alternativas é confrangedora. No campo da esquerda populista, sem qualquer vocação de Governo e que nunca o terá que exercer - o que é um convite à mais pueril irresponsabilidade política -, continua-se a eleger a "iniciativa privada" e a falar da "economia" e das "empresas" como se não vivêssemos numa economia de mercado, como se a maior parte da população não estivesse nela empregada, e como se os serviços que a maior parte dos aderentes da esquerda populista dispôs ao longo da sua vida - escolaridade gratuita ou saúde tendencialmente gratuita, já para não falar das transferências sociais que completam a estrutura do Estado social - não fossem pagos pelo mesmo "mercado". Há alturas em que eu percebo - sem, naturalmente, concordar - a força que o pensamento de direita ganhou em certos círculos, tornando-se verdadeirmante dogmática e anti-esquerda: é com tanta má fé, tanta denegação, tanta incapacidade para olhar certos factos elementares de frente (o que, vindo por vezes de cientistas sociais, me deixa francamente perplexo) tanta incapacidade para perceber como o Estado só tem dinheiro para pagar o que achamos que deve pagar (e que é, tem de ser, finito, e por isso inteligentemente limitado e definido) se conseguir colectar os impostos que derivam dos lucros produzidos pela tal infâme "iniciativa privada", etc. etc., é natural que à direita se ache que a esquerda que não faz mais nada que dizer mal do "mercado", etc., deve ser denunciada de "parasita".
3. Esta forma de não pensar o mundo actual leva a que a esquerda populista, que adora dizer que tudo o resto é de "direita", esteja completamente ausente do debate político concreto, da discussão de ideias para o futuro, da proposta de soluções, etc.. Porque recusa tudo ou quase tudo que se faz (tudo é de "direita") ou porque tudo é um "compromisso" e um "desvio" ("social-democrata" ou outro), esta esquerda entrega, num acto verdadeiramente suicida, o espaço do debate em torno das opções estratégias de policy à direita e à esquerda social-democrata. A sua posição define-se por ser do "contra" o "neo-liberalismo" e o "capitalismo" e etc., sendo que estas categorias, repetidas até à exaustão, funcionam como etiquetas e "marcadores tribais" e nunca como conceitos que devem ser definidos e sujeitos a um "reality check" (o que, repito, quando falamos de cientistas sociais, me parece grave). As eventuais propostas realizadas estão tão longe da realidade e são, na maior parte, e enquanto eventual modelo de desenvolvimento alternativo, tão impossíveis de colocar em prática, que não merecem na maior parte das vezes levadas a sério. E porque não são levadas a sério, não são discutidas por ninguém no espaço público, nem nunca farão parte de nenhum programa político capaz de convencer o eleitorado - o que, em democracia, é, no mínimo, se me é permitida a ironia, um pequenino handicap.
Depois volto a outras questões levantadas no debate e a outras reflexões laterais.
P.S. - Já o disse em resposta ao Carlos Leone na caixa de comentários deste post, mas para que fique claro - e o Renato Carmo chamou-me a atenção para isto, penso que é perfeitamente justo -, a minha saída do Peão nada tem a ver com o que se passou no debate - que, reafirmo, foi cordial e interessante, mesmo que previsível q.b. -, até porque quando falo de "esquerda populista" neste post não me estou a referir a nenhum dos membros activos do Peão. Para quem não restem confusões, era importante esclarecer este ponto.
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