Vale a pena transcrever o relato e excertos de uma conversa de Barak Obama com Warren Buffet narrada no livro a que fiz referência há uns dias (pp.191-193).
«'Se há uma guerra de classes a ser travada na América, a minha classe está a ganhar.'
Estava sentado no gabinete de Warren Buffet, presidente da Bershire Hathaway e segundo homem mais rico do mundo. Tinha ouvido falar da famosa simplicidade dos gostos de Buffet - que ainda vivia na modesta casa comprada em 1967, e pusera todos os filhos em escolas públicas do Omaha.
Mesmo assim, fiquei um pouco supreendido quando avancei para um vulgar edifício de escritórios no Omaha e entrei para o que parecia ser um gabinete de agente de seguros, revestido com imitação de madeira, meia dúzia de pinturas decorativas nas paredes e ninguém à vista. 'Pode entrar', ordenara uma voz de mulher, e eu virei a esquina do corredor para dar com o Oráculo de Omaha em pessoa, a rir com a filha, a Susie, e a assistente, a Debbie, com o fato ligeiramente amarrotado e as sobreancelhas farfalhudas espetadas por cima dos óculos.
Buffet convidara-me para vir a Omaha discutir política fiscal. Mais precisamente, queria saber por que motivo continuava Washington a cortar nos impostos no seu escalão estando o país falido.
- Um dia destes estive a fazer umas contas - disse-me, enquanto nos sentávamos no escritório. - Embora nunca tenha recorrido a um refúgio fiscal nem tido um gestor de impostos, depois de contados os impostos sobre os rendimentos que todos pagamos, eu pagarei uma taxa de impostos efectiva mais baixa do que a minha recepcionista. De facto, estou bastante certo de que terei uma taxa mais baixa do que o americano médio. E se o Presidente for com a sua para diante, vou pagar ainda menos.
A reduzida taxa de Buffet era consequência do facto de que, tal como a maior parte dos americanos abastados, quase todos os seus rendimentos virem de dividendos e ganhos de capital, ou seja, rendimentos de investimento, que, desde 2003, são taxados apenas a quinze por cento. O salário da recepcionista, por sua vez, era taxado ao dobro (...). Do ponto de vista de Buffet, a discrepância era incompreensível.
- O mercado livre é o melhor mecanismo jamais concebido para dar aos recursos o uso mais eficiente e mais produtivo - explicou-me. - O Governo não é particularmente bom a fazer o mesmo. Mas o mercado já não é tão bom a distribuir com justiça e ponderação a riqueza produzida. Alguma dessa riqueza tem de ser reinvestida em educação, para que a próxima geração tenha hipóteses justas, e para manter as nossas infra-estruturas, e garantir algum tipo de rede de segurança para aqueles que perdem com a economia de mercado. E faz todo o sentido que nós, que mais beneficiamos com o mercado, paguemos uma parte maior.
Passámos mais duas horas a falar sobre globalização, salários dos executivos, agravamento do défice e dívida nacional. Entusiasmou-se em especial com a proposta de Bush para eliminar o imposto sucessório, medida que entendia fomentar uma aristocracia assente na riqueza mais no que no mérito.
- Se nos livrarmos dos impostos sucessórios - explicou -, o que estamos a fazer é a entregar o controlo dos recursos do país a pessoas que não fizeram nada para os merecer. É o mesmo que escolher a equipa para os Jogos Olímpicos de 2020 junto dos filhos dos vencedores dos Jogos de 2000.
Antes de sair, perguntei-lhe quantos dos seus companheiros bilionários tinham a mesma opinião. Riu-se.
- Confesso que não são muitos - respondeu. Eles acham que é o 'dinheiro deles' e que merecem ficar com tudo até ao último cêntimo. O que não contam é com todo o investimento público que lhes permite viver como vivem. Eu sou um exemplo. Calhou ter talento para aplicar capital. Mas a minha capacidade para usar esse talento dependente completamente da sociedade em que nasci. Se tivese nascido num tribo de caçadores, este meu talento de pouco valeria. Não sou grande corredor. Não sou especialmente forte. O mais provável era acabar no papo de algum animal. Mas tive a sorte de nascer num tempo e lugar onde a socidade dá valor aos meus talentos e proporcionou-me uma boa educação para desenvolver esse talento, e montou as leis e o sistema financeiro para me deixar fazer o que adoro fazer - e fazer bom dinheiro com isto. O mínimo que posso fazer é ajudar a pagar tudo isto.»
Wednesday, December 26, 2007
A justificação para a fiscalidade explicada às crianças (e aos libertários)
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