Não há nada como acordar com uma notícia destas...André Gorz, em tempos muito próximo de Sartre (que conheceu em 1946 e que o levou para a equipa da Temps Modernes), era dos mais interessantes filósofos franceses da actualidade, e os seus livros sobre a relação entre a ecologia e o socialismo depois do fim da ligação umbilical deste à figura do proletariado, e o trabalho, tema a que se dedicou a partir de meados dos anos 80, merecem ainda hoje atenção - mesmo discordando de muitas das suas reflexões e propostas, que acabaram por alimentar o debate, há cerca de uma década, em torno do "fim do trabalho". Aliás, é justo que Gorz seja conhecido como "filósofo do trabalho", uma categoria rara mas central nos dias de hoje. L'Immateriel. Connaissance, valeur et capital, que penso ser o seu último trabalho sobre estas questões, é um excelente ensaio sobre o valor do conhecimento nestes tempos de "capitalismo cognitivo" - cuja tese sustenta, contra-intuitivamente, e pour aller vite, que não é o capitalismo que acaba com a ciência, mas a ciência que acaba com o capitalismo.
A única forma interessante hoje de ser anti-capitalista é sê-lo com sofisticação, humildade e sentido da realidade - e o trabalho de Gorz, crítico incansável do mundo actual, exalava estas qualidades.
Como muitos grandes filósofos franceses, preferiu morrer a esperar pela morte - e fê-lo com Dorine, a quem dedicou o seu último livro, em 2006, Lettre à D. Histoire d'un amour. Numa recensão do livro no LIbération, Jean-Baptiste Marongiu e Frédérique Roussel escreviam que as primeiras frases da obra «contiennent le mystère de la rencontre pérenne entre un homme et une femme», e uma «promesse d'infini».
Voilà: promessa de infinito, pois então. «Nous naissons plusieurs mais on meurt seul, a écrit quelqu'un», recorda Gorz nessa obra premonitória. Decidiu não morrer só, mas com a mulher com quem partilhou cerca de meio século de existência. Afinal de contas, o suicídio é também expressão de "autonomia" - um dos seus ideais preferidos de Gorz, e que sustentava toda a sua crítica não apenas do capitalismo, mas da existência tout court.
1 comment:
Nunca li nada dele, mas depois deste post, apetece.
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