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Tuesday, December 4, 2007

PISA, segundo olhar

Saíram os resultados do PISA 2006, e Portugal, como gostam de dizer os media, "chumbou" nos testes relativos às competências (e não "conhecimentos": possuir uma compêtencia implica ser capaz de operacionalizar, possuir um conhecimento significa saber explicar porque é que a operacionalizaçao deve ser feita de uma dada forma; isto não é irrelevante porque há sistemas de ensino e abordagens pedagógicas que privilegiam a aprendizagem primordial de competências e outros a aprendizagem prioritária de competências) em ciências - o foco principal do estudo de 2006 -, leitura, e matemática.


O indicador elementar para a avaliar a performance de um país é a média nacional em relação à média da OCDE (sempre igual a 500). Mas a média é um instrumento enganador. No caso português, é interessante ver como se distribuem os resultados dos alunos por ano de escolaridade que frequentam. O PISA é aplicado a alunos entre os 15 e os 16 anos - independentemente do nível de escolaridade em que estão -, por ser a idade com que se prevê terminarem a escolaridade obrigatória. Se um país, como Portugal, tiver níveis de retenção muito altos, haverá alunos que terão dificuldade em responder a certos exercícios sobre matérias que o teste do PISA espera que o aluno conheça; isto é essencial para perceber os resultados dos alunos portugueses. Vejam os quadros que coloquei abaixo, retirados deste relatório (que os mais interessados devem consultar).



O tamanho das esferas representa a percentagem de alunos dos diferentes anos de escolaridade que responderam ao inquérito (que é representativo da distribuição da população escolar nacional). Veja-se como os alunos do 11º - uma minoria, a esfera é pequeníssima - obtêm excelentes resultados, e como os do 10º ano obtêm sistematicamente uma média razoavelmente superior à da OCDE. O problema está nos alunos que já ficaram retidos, uma, duas, três vezes. São esses que puxam os resultados portugueses para baixo - e puxam mesmo, porque as 3 esferas somadas (relativas ao 7º, 8º e 9º anos) dão uma esfera bem grande.

Atenção: não está em causa o facto de em Portugal o nível de dispersão dos resultados ser grande (noutros países isso também acontece); o que está em causa é que esse nível de dispersão está directamente ligado aos anos de escolaridade frequentado pelos alunos que ficam abaixo da média.

Há duas possíveis conclusões a retirar daqui. A primeira é que, contra todo o senso comum (e conversa habitual do PSD e do CDS), o nosso sistema é selectivo. É muito selectivo. Os alunos que não perderam qualquer ano obtêm muito bons resultados; os que ficaram para trás - e que são por definição prejudicados pelos testes do PISA, desenhados, repito, para alunos ques estejam a terminar a escolaridade obrigatória (15 anos = normalmente 10º ano de escolaridade) - apresentam resultados negativos - alguns confrangedoramente negativos (a maior parte deles talvez quiçá explicados pelo facto de não terem sequer compreendido o que lhes era perguntado, o que também é facil de perceber: não se pode pedir a um aluno do 7º ou 8º ano que perceba uma questão que exige, eventualmente, competências que só aprenderá no 9º ou no 10º). A Finlândia, por exemplo, que surge quase sempre em primeiro lugar nestes estudos, tem um sistema que não selecciona: praticamente todos os estudantes chegam ao final da escolaridade obrigatória sem terem sido retidos uma única vez.

A segunda conclusão possível é que a retenção não serve de praticamente nada em termos de recuperação dos alunos. Enquanto instrumento compensatório das aprendizagens, a retenção é de uma ineficácia extrema. Como instrumento de exclusão de alunos, por outro lado, é de uma eficácia ímpar.

A resposta não é proibir as retenções e deixar tudo como está, permitindo os alunos percorrerem sem problema os anos da escolaridade básica e secundária. A resposta passa por se fazer com eficácia e qualidade cá o que se faz nos outros países que proibiram por via administrativa a retenção. Os finlandeses não são pequenos génios, mas, desde o primeiro momento em que os alunos revelam dificuldades na aprendizagem, são accionados mecanismos de aprendizagem compensatória e de reforço pedagógico que não os deixam ficar para trás. Por cá, estes dispositivos também já existem - chamam-se planos de recuperação e, como mecanismo de reforço de aprendizagem, deviam substituir gradualmente a prática da retenção que é, se se vir bem, um mecanismo facilitista, sim, mas para o professor.

Thursday, November 29, 2007

Muito exigente deve ser o nosso ensino, de facto

Lido num take da 'Lusa':

Portugal único país desenvolvido com taxa de repetentes a atingir 10 por cento nos primeiros ciclos - UNESCO

Portugal é o único país desenvolvido onde a taxa de alunos repetentes no primeiro e segundo ciclos atinge os 10 por cento, de acordo com dados da UNESCO divulgados hoje.
Segundo o relatório anual "Educação para todos" da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), um em cada dez alunos portugueses (10,2 por cento) a frequentar a antiga primária e o 2º ciclo chumbaram e estão a repetir o ano de escolaridade.
Em Espanha e na Alemanha estes valores situam-se nos 2,3 e 1,4 por cento, respectivamente, enquanto em países como Finlândia, Grécia, Irlanda e Itália a taxa não atinge sequer um por cento.


Isto é o resultado do que se chama cultura da retenção.

Tuesday, November 20, 2007

Sobre a política da retenção

Talvez muita gente fique escandalizada por causa disto. Mas convém lembrar que em Portugal é, se os dados comparativos servem para aprender alguma coisa, o país onde mais se usa o instrumento da retenção - que sabemos ser um primeiro passo para o abandono escolar (ver figura, primeira coluna "Taux de retard aux 14 ans", que mede precisamente a percentagem de alunos que nessa idade já repetiram pelo menos um ano - Portugal tem o valor mais elevado dos países europeus em comparação; dados provenientes rede Eurydice, 2003, reproduzidos em Marcel Crahay, Peut-on lutter contre l'échec scolarie?, Bruxelas, De Boeck & Larcier, 3ªedição, 2007, p.45).



Talvez muitos protestem contra a ideia "escandalosa" de promoção automática, mas a verdade é que a promoção automática está institutucionalizada em vários países europeus, em particular nos nórdicos, onde praticamente ninguém fica pelo caminho até ao fim da escolaridade obrigatória (9, 10 ou 11 anos, consoante os países). Estes sistemas não são facilitistas; os seus alunos estão geralmente muito bem classificados nos testes internacionais do PISA. A diferença é que estes sistemas estão organizados de forma a fazer tudo para manter os alunos na escola e recorrer à retenção só em casos excepcionais.

Tuesday, October 30, 2007

Uma certa ideia de justiça e de igualdade na educação


«Pour l'école de base, il nous semble devoir réclamer la justice corrective. Usant de dispositifs de discrimination positive et traquant tous les mécanismes par lesquels s'opère le renforcement des inégalités de départ - qu'elles soient d'origine naturelle, sociale ou scolaire - l'école de base, prolongée jusqu'à 15 ans, devrait se donner pour idéal l'égalité des acquis fondamentaux. Le redoublement d'une anné ne devrait être toleré que dans de cas très exceptionnels. Les compétences essentielles étant définies, les enseignants seraient tenus d'en faire acquérir la maîtrise par tous les élèves. Cela ne les dispenserait pas de susciter le développement d'autres compétences qui ne figuraient pas dans la liste des socles».


Marcel Grahay, Une École de Qualité Pour Tous!, Bruxelles, Editions Labor (p.22)

Algumas considerações politicamente incorrectas sobre o "facilitismo" em educação

É muito interessante ler e ouvir o que por aí se escreve e diz em torno da revisão do estatuto do aluno e dos resultados hoje anunciados do ensino secundário. Mas o verdadeiramente extraordinário é a ideologia que leva as pessoas a pensarem que retenção = sinal de rigor, e fazer tudo para manter os alunos integrados na instituição escolar (que implica de facto mais, e não menos trabalho por parte das escolas) = facilitismo.

Mas apetece perguntar: facilitismo para quem? Nas actuais condições, só se fosse facilitismo para o professor, que assim pode sancionar legalmente as dificuldades reveladas por um aluno em vez de o procurar "agarrar", ir "atrás" dele, dar tudo para que este as supere e, se este não aprende de uma forma à primeira, possa aprender de outra à segunda, e aí por diante. Isto, sim, é o contrário do facilitismo. Facilitismo é continuar a manter escancarada a porta do chumbo, a opção exit sem quaisquer problemas acrescidos para quem avalia (a opção exit é como a opção de despedimento fácil e imediato nas empresas sem qualquer problema para quem a decide, ou seja, o patronato; a esquerda acha isto péssimo – eu também -, mas acha que os professores devem poder punir os alunos com a guia de marcha da “retenção” sem qualquer problema, despedindo-os daquela turma/ano. Muito curioso, mas nada de empiricamente extraordinário: como François Dubet gosta de dizer, a classe de professores é tão socialmente progressista como profissionalmente conservadora). Hoje, as tão atacadas ciências da educação - e tantas vezes sem sentido, fruto de tanta ignorância -, mas também a sociologia ou psicologia - outras ciências 'obscuras' para algumas elites - estão fartas de mostrar que a repetição não beneficia o aluno em nada. Em nada. Não são raros os casos em que ele revela saber menos no ano seguinte a ter chumbado do que no ano anterior, mas regularmente não sabe mais. Perdeu um ano, e não ganhou absolutamente nada: a consequência negativa é que ficou para trás com o estigma pessoal e social de que a escola (professores e colegas, tantas vezes nestas fonte de profundo reconhecimento e afirmação identitária) o olha como caso de fracasso. De fracasso em fracasso, claro: sabemos que quanto mais cedo um aluno chumba, maiores são as probabilidades de ele voltar a chumbar, até, pura e simplesmente, se cansar. Até que um dia sai da escola. Ponto final. É isto o "rigor"? Então Portugal, por este critério, é um país extremamente rigoroso. Voilà. Estamos no topo da UE. A nossa escola é tão boa, tão boa, chumba tantos e a um ritmo tão veloz, que deve ser de uma qualidade acima da média.

Quem decide o chumbo não vê a sua vida muito alterada - quando muito, vê-a facilitada, porque passa a ter menos alunos com dificuldades na mesma sala. Que tentação será, não é? Em vez de "puxar" pelo aluno, de o tentar "agarrar", de fazer tudo o que está ao alcance da escola - repito, da escola como colectivo, como instituição socializadora, não como soma de elementos atomizados minding their own business - para o recuperar, para o fazer melhorar (os verdadeiros rankings, os do futuro, vão, espero, poder medir o que se chama "valor acrescentado" que a escola traz ao aluno, independentemente do seu nível de partida - aí veremos se as escolas públicas ficam atrás das privadas), porque não simplesmente deixá-lo estar? Porque não, no limite, deixá-lo reprovar por faltas?

Comparemos agora o que se passa no caso de um médico. Ao contrário do professor, não há aqui escapatória, não há estratégia de exit, não há “retenção” que lhe resolva o problema: ele simplesmente não pode dizer “não” a um doente (idealmente, eu sei - e sobretudo isto só é possível no sector público, porque no privado também se constróem belos rankings 'chutando' os casos complicados para o público). Um médico que revelasse não ter feito tudo o que está ao seu alcance para salvar a vida do doente teria cometido uma grave falha ética e profissional (claro, sabemos que o Sindicato, perdão, a Ordem dos Médicos bem os protege de qualquer ataque à sua "autonomia", pelo que o mundo estará seguramente cheio de erros médicos por sancionar...); porque é que aceitamos que um professor que não faça tudo o que está ao seu alcance para salvar um aluno? Podemos dizer, claro, que um médico salva vidas e um professor não intervém em nenhuma área tão crítica como a clínica. Fair enough. Mas apenas até um certo ponto, se virmos a vida apenas definida de uma perspectiva clínica; porque se adoptarmos uma perspectiva biográfico-profissional, o acto de um professor no sentido de determinar uma repetência pode condicionar ou determinar, em larga medida, o futuro escolar e social de um aluno. Por exemplo, um aluno que chumba no 2º ano do 1ºciclo dificilmente termina o 3º ciclo. Uma decisão nesse momento de o fazer repetir o ano em vez de o fazer passar e investir nele todos os cuidados no ano seguinte para o recuperar para o nível desejado pode ser determinante para a sua vida futura. Aqui pode residir a diferença entre um previsível trajectória de insucesso - e se era previsível ou esperada, então porque não agimos imediatamente sobre ela em vez de esperar que ela aconteça?! - e uma trajectória difícil de luta contra as probabilidades, feita de trabalho e de pequenos sucessos, em direcção um futuro profissional mais decente, construída pelo aluno e pelo(s) professores e escola(s). Não preciso romancear a segunda situação. A diferença de estratégias é claríssima. É entre deixar as disposições inscritas na história das pessoas e das instituições actuarem, ou significa intervirmos sobre essas disposições, e corrigir os seus efeitos perversos e as suas consequências que impendem, lamento recordar, sobre os alunos, e não sobre os professores. As trajectórias escolares, sociais, e biográficas, são path-dependent, ou seja, dependem do percurso tomado no passado, e sobretudo de decisões tomadas em momentos-chave - como bifurcações - que podem fazer a diferença num futuro mais ou menos distante. «Se eu tivesse feito isto ou aquilo...» não é matéria da telenovela nas 9 da noite, é o húmus de todas as frustrações individuais pós-adolescência (e por aí em diante). Não me digam que os professores, como formadores de seres humanos e com o poder institucional que têm ao seu dispor, não têm responsabilidades nesta matéria. Então que a saibam usar.

Aqueles que falam de facilitismo, respondam-me por favor: qual delas é mais fácil, a que literalmente dá menos trabalho? O reprovar por mil e um motivos (o aluno é "isto" ou "aquilo", os pais "não sei que mais", a "turma também não ajuda", etc.) ou fazer o possível, o que está ao alcance da escola para o salvar? A retenção raramente é sinónimo de rigor. A retenção é, essa sim, na maior parte das vezes, sinónimo de facilitismo, sem quaisquer consequências para quem a decide, e com consequências potencialmente negativíssimas para quem recebe a decisão. E esta assimetria pode ser incrivelmente perversa.

Se as pessoas percebessem que as políticas actuais pretendem acabar com este tipo de facilitismo perverso que serve todos menos os alunos, talvez dessem menos ouvidos às desonestidades intelectuais de Paulo Portas e co.. Agora, eu percebo porque é que os professores podem ficar zangados: isto obriga-os a trabalhar mais e ter mais responsabilidades. Porém, isto levanta duas questões. Primeiro, se os professores terão de trabalhar mais - e com eles os estudantes que serão assim "agarrados" e verão como menos óbvia/atractiva a estratégia do abandono -, por que motivo está tudo a falar de maior "facilitismo"? Segundo, e ao contrário do se diz por aí, o maior trabalho e a maior responsabilização são os meios para a credibilização presente e futura da profissão docente. É quando a sociedade olha para os professores como profissionais que dão tudo de si para salvar os alunos que sem a sua ajuda teriam percursos educativos de insucesso constante que ela começará a valorizá-los e atribuir-lhes um reconhecimento que não cai do céu (como não cai a nenhum profissional só por "ser" algo: é preciso justificá-lo; um médico não é respeitado por ser médico; é respeitado por ser bom médico; idem para um juiz, um arquitecto, um engenheiro, etc.), mas deve ser conquistado activamente e actualizado de forma constante (o tempo do professor e do médico venerado pela comunidade pertence ao imaginário do início rural do século XX - com a infelicidade, é verdade, dessa ter sido a nossa realidade até há bem pouco mais de um terço de século).

Deve ser para situações como esta em que as pessoas precisam de mudar completamente o seu olhar sobre um problema que a expressão "revolução copernicana" se aplica. O nosso país está cheio de pretensos "revolucionários", há por aí algum copernicano?