Thursday, May 31, 2007

Coisas a não esquecer (II)

«It is possible for a dictator to govern in a liberal way. And it is possbile that a democracy governs with a total lack of liberalism. My personal preference is for a liberal dictator and not for a democratic government lacking in liberalism».

Friederich Von Hayek, em entrevista ao jornal chileno "El Mercurio", a 12 de Abril de 1981 (citado por Bowles e Gintis no livro referido no post anterior, p.11-12)

Coisas a não esquecer

«Though the architects of the welfare state had not stressed the point, economic stagnation and instability may occur not only because the capitalist class is 'too strong' but also because it is 'too weak'. When the capitalist class is 'too strong' it shifts the income in its favor, reducing the ratio of working-class consumption to national income and rendering the economy prone to a failure of total demand. By contrast, when the capitalist class is 'too weak' the working class or ther claimants on income squeeze the rate of profit and reduce the level of investment (perhaps by inducing to seek greener pastures elsewhere)».

Dos insuspeitos por 'simpatias capitalistas' Samuel Bowles and Herbert Gintis, em Democracy & Capitalism. Property, Community, and the Contradictions of Modern Social Thought, NY, Basic Books, 1986 (p.6).

Wednesday, May 30, 2007

Já não era sem tempo

Medicina dentária nos centros de saúde.

Dawn



Mais ali do que aqui

Nos últimos dias tenho estado mais no Peão, a partir dos desenvolvimentos que ligados a este post que escrevi sobre em resposta à intervenção inicial do Nuno Teles.

Hoje é dia de greve geral e depois devo escrever qualquer coisa sobre isto.

Entretanto quinta-feira é dia de Andrew Bird no São Jorge, espero que seja um grande concerto.
Fica um aperitivo, 'Measuring Cups', do álbum de 2005, "The Mysterious Production of Eggs".






Entretanto, passem pelo blogue do Ivan Nunes, chamado...Ex-Ivan Nunes. Just don't ask. Read.

Sunday, May 27, 2007

Yann Tiersen - La Terrasse



Do álbum Tout Est Calme (1999)






La Terrasse
Un après-midi là, dans la rue du Jourdain,
on peut dire qu'on était bien,
assis à la terrasse du café d'en face
on voyait notre appartement.

Je ne sais plus si nous nous étions tus ou
si nous parlions tout bas là au café d'en bas,
mais je revois très bien la table et tes mains,
le thé, le café et le sucre à côté.

Puis d'un coup c'est parti, tout s'est effondré,
on n'a pas bien compris, tout a continué,
tandis qu'entre nous s'en allait l'équilibre,
plus jamais tranquilles, nous tombions du fil.

Cet après-midi là, dans la rue du Jourdain,
en fait tout n'allait pas si bien,
assis à la terrasse du café d'en face
on voyait notre appartement,
si triste finalement avec nous dedans.

Saturday, May 26, 2007

Mensagens numa garrafa (II)

POST FESTUM

A dor pela deterioração dos relacionamentos amorosos não é apenas, como se supõe, o medo da retirada do amor, nem o tipo de melancolia narcísica descrita por Freud com tanta perspicácia. Nela está também envolvido o medo de que o sentimento do próprio sujeito seja transitório. Tão pouca é a margem que resta para os impulsos espontâneos, que qualquer um a quem eles ainda sejam concedidos vivencia-os como uma alegria e uma dádiva, mesmo quando eles causam dor, e chega a experimentar os derradeiros vestígios aflitivos da intuição como um bem a ser ferozmente defendido, para que o próprio sujeito não se transforme noutra coisa. O medo de amar o outro é, sem dúvida, maior que o de perder o amor desse outro. A ideia - que nos oferecem como um consolo - de que, dentro de alguns anos, não entenderemos a nossa paixão e seremos capazes de deparar com a mulher amada, acompanhada, sem experimentar nada além de uma curiosidade surpresa e passageira, consegue ser sumamente exasperante para aquele a quem é apresentada. É o cúmulo da blasfémia a ideia de que a paixão, que rompe o contexto da utilidade racional e parece ajudar o eu a escapar da sua prisão monádica, seja uma coisa relativa, capaz de ser reajustada à vida individual através da ignominiosa razão. No entanto, inescapavelmente, a própria paixão, ao vivenciar o limite inalienável entre duas pessoas, é forçada a reflectir exactamente sobre esse impulso, e com isso, no acto de ser dominada por ele, a reconhecer a futilidade da sua dominação. Na verdade, sempre se soube da inutilidade; a felicidade estava na ideia absurda de ser arrebatado, e cada uma das vezes em que isso deu errado foi a última, foi a morte. A transitoriedade daquilo em que a vida mais se concentra irrompe justamente nessa concentração extrema. E ainda por cima, o amante infeliz tem que admitir que, exactamente onde julgava estar esquecendo de si, amava apenas a si mesmo. Nenhuma dose de franqueza permite sair do círculo culpado do natural; isso só se consegue com a reflexão sobre quão fechado ele é.

Theodor W.Adorno

Mensagens numa garrafa (I)

A LIBERDADE COMO ELES A ENTENDEM

As pessoas manipularam a tal ponto o conceito de liberdade, que ele acabou por se reduzir ao direito dos mais fortes e mais ricos de tirarem dos mais fracos e mais pobres o que estes ainda têm. As tentativas de modificar isso são encaradas como intromissões lamentáveis no campo do próprio individualismo, que, pela lógica dessa liberdade, dissolveu-se num vazio administrado. Mas o espírito objectivo da linguagem não se deixa enganar. O alemão e o inglês reservam a palavra 'livre' para os bens e serviços que não custam nada. À parte a crítica da economia política, isso testemunha a falta de liberdade que a relação de troca, ela mesma, pressupõe; não há liberdade enquanto tudo tem um preço e, na sociedade reificada, as coisas isentas do mecanismo do preço só existem como rendimentos lastimáveis. Ante uma inspecção mais rigorosa, costuma-se constatar que também elas têm o seu preço e constituem migalhas dadas juntamente com as mercadorias, ou, pelo menos, com a dominação: os parques tornam as prisões mais suportáveis para quem não está dentro delas. Entretanto, para as pessoas de temperamento livre, espontâneo, sereno e impertubrável, que da falta de liberdade extraem a liberdade como um privilégio, a linguagem reserva, prontinho, um nome apropriado: desaforo.

Theodor W.Adorno

*"Mensagens numa garrafa" constava da versão original do livro Minima Moralia (publicado em alemão em 1974), mas foi omitido na publicação final (uma versão inglesa do livro pode ser encontrada aqui). A tradução de "Mensagens numa garrafa" em língua inglesa foi publicada pela primeira vez em 1993, na "New Left Review", nº200, Jul/Ago. Em português pode ser encontrado nesta edição brasileira de 1996 d'O Mapa da Ideologia, livro organizado pelo filósofo esloveno Slavoj Zizek (tradução do original inglês de 1994 publicado pela Verso, claro).

Friday, May 25, 2007

David Lanz - Leaves on the Seine



Do álbum Nightfall (1985)

As vitórias (?) dos trabalhadores "europeus"

O caso que o Nuno Teles relata no Ladrões de Bicicletas deixa-me francamente ambivalente. Não vou repetir os pormenores factuais que estão descritos no post do Nuno. O que me incomoda q.b. é o discurso de vitória dos trabalhadores - devidamente sancionado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia - protegidos pelo sindicato sueco contra os trabalhadores letões.

O argumento, claro, é o do "dumping" social: os letões ganham, isto é, cobram menos, substancialmente menos que os suecos. O Nuno acha que isto foi uma vitória do modelo sueco, do qual eu também sou adepto. Talvez o seja. Mas não vejo em lado nenhum preocupação pelo que aconteceu aos trabalhadores letões que perderam o contrato. Serão uma mera "externalidade"?

Pensemos de forma contrafactual por um instante e imaginemos que os letões ganharam o contrato. O que aconteceria aos trabalhadores suecos? Caso não tenham outros contratos em vista, cairiam na rede daquele que é um dos Estados sociais mais - senão o mais, tirando o Luxemburgo - generosos da Europa (ver quadro). Os trabalhadores letões, esses, ganhariam algum dinheiro e experiência. Para a "próxima", talvez os seus salários não fossem tão baixos e o tal "dumping", por parte dos investidores, não fosse tão atractivo, e outras coisas que não o preço da mão-de-obra pesassem mais na decisão (e como sabemos, as variáveis são múltiplas).

Voltemos à realidade: o que vai acontecer depois desta decisão? Os trabalhadores suecos talvez fiquem mais ricos. Os trabalhadores letões, esses, seguramente, não o vão ficar. E vão ficar, se não tiverem alternativas, entregues ao sistema nacional que menos gasta na protecção dos trabalhadores (ver quadro). E para a próxima, vão muito provavelmente ter de concorrer com base em valores mais baixos, agravando o "dumping". Porque não ficaram mais ricos depois desta decisão, maior é o incentivo para que aceitem, no futuro, condições mais adversas e salários mais baixos. Como facilmente se percebe, esta dinâmica arrisca-se a transformar em espiral - fazendo com que a luta contra o "dumping" por parte dos protegidos alimente, precisamente, no momento seguinte, a tentação do "dumping" por parte dos não-protegidos.

O Nuno diz que foram os trabalhadores "europeus" que ganharam. Bom, talvez, se partirmos do princípio que os letões não são europeus. E se partirmos de princípio que há outra saída para os trabalhadores letões enriquecerem que não passe por, provisoriamente, terem que aceitar salários que são bem mais baixos que os dos seus "camaradas" suecos. E se partirmos do princípio que é assim que se luta contra as desigualdades intra-europeias. E se partirmos do princípio que a esquerda deve defender os bem estabelecidos insiders contra os precários outsiders. E assim por diante.

Imaginem que isto se passava entre os trabalhadores suecos e portugueses - com estes no papel de letões. Deveríamos aplaudir a vitória dos trabalhadores suecos, mesmo que isso aumentasse o desemprego em Portugal? Daria certamente mais uma razão para protestar contra o Governo...

Esta "vitória" protege os trabalhadores mais ricos da Europa e mantém lá bem no fundo os mais pobres. Se isto é uma "vitória" da "esquerda europeia", então tem de ser de Pirro. E, depois, um dia, não estranhem que os trabalhadores letões, se lhes perguntarem o significa para eles a "Europa social", eles respondam que é uma enorme hipocrisia.

Thursday, May 24, 2007

Solidariedade

A notícia de que as progressões na carreira dos trabalhadores do Estado vão ficar congeladas até 2009 não é simpática, mas já era tempo de que os militantes da contestação se lembrassem da crise que o país atravessa, e que há quem esteja muito mais desprotegido dos que os que trabalham no sector público - por exemplo, os muitos milhares de desempregados no sector privado. Esses nem sonham sequer em obter um pouco da protecção que os funcionários públicos têm - e que acham que é sempre pouca.

Um bocadinho mais de humildade e altruísmo - inter-sectorial, se quiserem - precisa-se. Afinal, é isso que quer dizer solidariedade, não é?

Sunday, May 20, 2007

Joie au travail

«Savoir de quelqu'un qu'il travaille volontiers ou à contrecoeur, c'est encore ne rien savoir de lui. La personne qui sténograhie avec enthousiasme, dix heures durant, des lettres d'affaires qui ne la concernent aucunement, celle qui fait de la comptabilité ou celle qui se trouve à la chaîne n'ont pas lieu de nous réjouir si elles collaborent directement par plaisir à l'ouvrage et non pour des motifs éloignés. Celui qui a une profession intellectuelle, ou bien demeure indépendant et peut changer d'activité, fait partie des élus. Il arrive que les chefs d'entreprise, dans les périodes spécialement tendues, quand on établit par example le bilan de leurs profits, restent dans les bureaux plus longtemps que la majorité de leurs employés. Alors le patron dit habituellement: "Les employés n'ont pas de plaisir au travail. Je ne les comprends pas. Moi, je pourrais travallier toute la nuit sans me lasser." Cette mentalité, les chefs d'entreprise ne l'ont pas seulement dans ces périodes d'exception, mais somme toute à longueur d'année. Les employés devraient bien les comprendre.»

Max Horkheimer, Crépuscule. Notes en Allemagne (1926-1931)
[Paris: Éditions Payot, 1994, p.115]

Friday, May 18, 2007

The Album Leaf - Twenty Two Fourteen



Do álbum In a Safe Place (2004)

Analisar os números do desemprego numa perspectiva comparada, se faz favor

Os números do desemprego vindos hoje a público reforçam ainda mais a importância e urgência da minha mensagem da posta anterior. Estamos perante uma situação em que a retoma no crescimento não se traduz numa retoma no emprego. Em contexto de aperto orçamental, não há grande margem de manobra para políticas de fundo. Mas mais importantes que as políticas no momento dado, são as instituições que as suportam. Convém não esquecer que a explosão do desemprego desde 2001 em Portugal não faz mais do que alinhar, ou melhor, aproximar Portugal com os números do desemprego dos países mediterrânicos, em particular Espanha, Itália e Grécia, e, claro, alguns países continentais. Ou seja, Portugal estava "mal habituado" a ter taxas de desemprego próximas do nível dos páises nórdicos, com uma diferença: o equilíbrio destes assenta em instituições e níveis de qualificações e salariais muito diferentes dos nossos. O que acontece é que simplesmente o nosso low skill equilibrium deixou de sustentar o crescimento e o baixo desemprego que tivemos, grosso modo, durante o mandato de António Guterres. Esse modelo de crescimento estava, numa Europa em alargamento e num mundo em globalização, obviamente, condenado a morrer. Não era sustentável, porque os eslovacos, checos e companhia são bem mais qualificados e cobram bem menos que os nossos trabalhadores - para não falar em deslocalizações para fora da Europa. Portanto, se olharmos para o panorama geral numa perspectiva comparada, eu pergunto como é que não atingimos estes números de desemprego mais cedo, e até onde eles podem subir - porque podem subir mais, como subiram na Espanha dos anos 80 e 90 até ultrapassar os 20%, sem nunca voltar a baixar dos 10%. Até há uns anos atrás, Portugal tinha sido uma excepção, mas uma excepção pelos motivos errados - por podermos fazer de segundo-mundo interno à UE. Agora os países de Leste substituíram-nos nesse papel. A herança comunista deixou-lhes forças de trabalho altamente qualificadas e desigualdades baixas. A nossa herança salazarista deixou-nos uma força de trabalho com baixas qualificações e uma sociedade altamente desigual: coisa que 30 anos de democracia não conseguiram alterar de forma profunda.

Os próximos anos não vão ser fáceis e, se não estou enganado, as dinâmicas macroeconómicas vão pressionar uma mudança interna no PSD em direcção a um programa neo-liberal. Nas próximas eleições, vão-nos prometer querer transformar Portugal na "Irlanda do Mediterrâneo" ou coisa do género. Não acho que, eleitoralmente, tenham muita sorte. Mas a questão, para o país, não é essa. É o que o PS pode e deve fazer enquanto estiver no poder - independentemente do que o PSD defender.

Tindersticks - Tiny Tears



Do 2º álbum Tindersticks (1996)






You've been lying in bed for a week now
Wondering how long it'll take
You haven't spoke, or looked at her in all that time
It's the easiest line you could break
She's been going round her business as usual
Always with that melancholy smile
But you were too busy looking into yourself
To see those tiny tears in her eyes

Tiny tears make up an ocean
Tiny tears make up the sea
Let them pour out, pour out all over
Don't let them pour all over me

How can you hurt someone so much your supposed to care for
Someone you said you'd always be there for
But when that water breaks you know you're gonna cry, cry
When those tears start rolling you'll be back

Tiny tears...

You've been thinking about the time, you've been dreading it
But now it seems that moment has arrived
She's at the edge of the bed, she gets in
But it's hard to turn the opposite way tonight

Tiny tears...

Futuro difícil

Dados do Eurostat Pocketbook "Living Conditions in Europe. Data 2002-2005" sobre educação:

Veja-se a percentagem, no primeiro quadro, nos diferentes grupo etários, da população portuguesa que tem o 9º ano completo. Compare-se com a média da área Euro e com a UE a 25. E, para não ir mais longe, compare-se com os valores da Polónia, na linha imediatamente a cima. A Polónia, como a generalidade dos países de Leste, tem valores mais elevados que a UE a 25 - e, convém não esquecer, estes são os países com quem Portugal vai competir economicamente nos próximos anos no espaço europeu.

De onde vem boa parte do problema. O segundo quadro mostra-nos: da altíssima taxa de abandono escolar. A definição da imagem não é perfeita, mas o valor que lá está é de 38,6% para os jovens que têm entre 18-24 e que completaram, no máximo, o 9º ano. Só Malta e a Turquia nos ultrapassam nos números da infâmia. De novo, notem-se os valores dos antigos países comunistas.

Este é um problema gravíssimo, porque ataca, naturalmente, os grupos sociais mais desfavorecidos - cujos filhos e filhas vão, muito provavelmente, ficar presos em trajectórias profissionais e sociais marcadas pela precariedade laboral e baixos salários.

No outro extremo, os valores de Portugal não deslustram: no ensino superior, a percentagem dos que estão numa universidade ou num politécnico estão bem mais próximos da média da UE a 25 (46,8% e 50,7%, respectivamente, para 2003/2004). Ou seja, em termos educacionais os extremos vão, nos próximos anos, com quase toda a certeza, distanciar-se ainda mais. Teremos uma elite qualificada semelhante aos nossos parceiros europeus e, no outro extremo, uma massa de adultos com baixíssimas qualificações.

Isto é grave, porque vai limitar as opções políticas de governos futuros. Entre a estratégia anglo-saxónica que se apoia na desregulação do mercado de trabalho para os sectores menos qualificados da população - alimentando um low skills equilibrium - e a estratégia de desenvolvimento de altas qualificações para a larga maioria da população que reduz ao mais possível o trabalha não-qualificado e coloque essa maioria em condições de ter empregos mais interessantes e bem pagos (criando, eventualmente, um high skills equilibrium), a estrutura de qualificações futura - se nada for invertido - vai, muito provavelmente, fazer inclinar os governos futuros para a saída liberal, em detrimento da social-democrata. É que os governos não precisam apenas do apoio dos eleitores para gizar políticas. Eles precisam de instituições económicas, sociais, laborais, que lhes permitam pôr essas políticas a funcionar. Sem as instituições certas, é como tentar fazer omeletes sem ovos.

A questão central é que estratégia social-democrata, se a história de desenvolvimento dos países europeus das últimas décadas nos ensina alguma coisa, assente numa forte redistribuição, numa relativa compressão salarial, em níveis de coordenação e negociação elevados no mercado de trabalho que garantem baixo desemprego e baixa inflação é muito exigente do ponto de vista das condições que devem figurar para que elas sejam exequíveis. Por exemplo, uma delas é uma população em rápida e sustentada desenvolvimento de qualificações - e com isto não quero dizer que seja necessário colocar toda a gente na universidade. Como o quadro deste post mostra, os países mais igualitários do ponto de vista da distribuição do rendimento são aqueles com uma forte participação da população jovem, nos anos finais do ensino secundário, em sectores vocacionais, que conferem competências mistas - ao mesmo tempo generalistas e específicas, próximas dos requisitos impostos pelo mercado de trabalho - ao jovens e lhe permitem uma inserção profissional mais rápida. Hoje, estes sistemas estão a perder progressivamente o carácter de bifurcação que implicavam no passado, e a permitir um futuro ingresso no ensino superior, em particular no sector politécnico. São, se quisermos, mais plataformas e não portas fechadas para um futueo diferente. Ou seja, estão a tornar-se mais generalistas sem perder o contacto com os empregadores e com as dinâmicas locais de mercado de trabalho - também porque hoje o emprego nos serviços requere competência mais gerais do que os skills industriais do passado, que foi quando estes sistemas de vocational and educational training foram criados.

Estes sistemas são muito importantes, mas a sua implantação e a sua manutenção sustentada ao longo do tempo não é nada fácil. Não é difícil o voluntarismo estatal - quando existe - esbarrar com a incapacidade dos sindicatos e do patronato em acolherem estas iniciativas e associarem-se a elas. A eficácia da acção unilateral do Estado será sempre limitada se não houver capacidade de associação entre empregadores por um lado, e entre trabalhadores por outro. Neste contexto, o mais fácil é o Estado gastar dinheiro, falhar na construção de novas dinâmicas, e o low skill equilibrium manter-se depois de todo o esforço envolvido.

Disse que a construção de estratégia social-democrata assente em instituições robustas será difícil, mas não será impossível. E no campo particular da educação, disse: se nada for invertido. É preciso andar depressa, e os próximos anos são muito importantes. É por isso que o programa "Novas Oportunidades", tão gozado pela intelligentsia pelo país fora nas últimas semanas, é tão central nesta estratégia de futuro. Que a dita intelligentsia não tenha percebido a gravidade do problema, bom, isso é tema para outros escritos.

Thursday, May 17, 2007

Privatização da questão das desigualdades?

Muito importante o artigo do João Rodrigues hoje no "Público", "A desigualdade salarial é um problema de todos" (link só para assinantes).

Os artigos são pequenos e por isso é sempre difícil seleccionar o que é dito e o que é deixado de fora. Mas talvez valesse o pena o João Rodrigues ter lembrado (fica para outra ocasião) que foi precisamente por a questão das desigualdades ser um problema político e público na Europa pós-1945 que as assimetrias salariais e sociais foram mantidas a níveis historicamente baixos, e que isso em nada colidiu com níveis de crescimento impressionante nos "30 anos gloriosos". Mais: há bons motivos para pensar que eles foram catalizadores do crescimento, e - como o João Rodrigues bem alude, e a citação do Adam Smith no final é deliciosa - não é preciso construir nenhuma teoria muito sofisticada da "motivação no trabalho" para perceber como a questão de quem faz o quê e quanto recebe é central para a forma como os trabalhadores se empenham mais ou menos no que fazem. A produtividade depende em boa medida do consenso laboral e este, por sua vez, depende das percepções de justiça e legitimidade da distribuição de rendimentos e riscos. Os alemães e suecos não são mais produtivos do que os portugueses apenas porque são mais qualificados ou têm mais competências: é porque o ambiente laboral, cujas regras são devidamente definidas de forma partilhada por sindicatos e patronato, é de muito melhor qualidade.
Já agora, se correlacionarmos o nível de desigualdades salariais nacionais com as taxas de crescimento mesmo nos últimos 30 anos - já não os "gloriosos", mas os "dolorosos" -, o mais provável é que não obtenhamos nenhuma correlação particular, porque a dispersão de performances nacionais é assinalável e a variação ao longo do tempo também (o modelo americano, elogiado por todos, era dado como defunto há 15 anos, quando era comparado com o Japão, entretanto caído em desgraça; entretanto, a Europa social-democrata - ainda que não tanto a continental nem mediterrânica -, tem-se portado muito bem e mostrado as vantagens comparativas de regimes de produção e bem-estar que permitem um rápido crescimento económico e uma manutenção das desigualdades a níveis baixos, a apesar de estas terem subido um pouco no último quarto de século).

Para mais, a questão a que o João Rodrigues alude no iníco do texto e que se prende com as chorudas compensações que está na moda os gestores do sector privado receberem é daquelas que prova que os salários são boa medida fixados por decisões políticas e não simplesmente pela "produtividade" ou pelo "mercado". Em muitos casos, eu pergunto se essas "decisões" - aqui a mão é bem "visível" - não pertencem ao domínio da cleptocracia. É que o mais comum é essas compensações bilionárias não estarem indexadas a nenhum critério de sucesso empresarial; pelo contrário, elas ocorrem muitas vezes no seguimento desses profissionais terem tido péssimos desempenhos e arrastado as empresas com eles para o fundo. Claro, quem paga são os restantes trabalhadores (e, já agora, os accionistas) e, no limite - porque o trabalhador é cidadão, cônjuge, mãe/pai, etc., fora do perímetro da empresa -, todos nós. E se há socialização dos males, então tem de haver socialização dos bens. E socialização significa politização.

Wednesday, May 16, 2007

Por falar nisso...

Sistema de saúde norte-americano é o pior de seis países industrializados.

Ora, já tínhamos abordado isto há uns dias, mas é bom saber que vem nos jornais. Ainda por cima, em jornais insuspeitos.

Yann Tiersen - Les Jours Tristes



Do álbum L'Absente (2001)






Les Jours Tristes

It's hard, hard not to sit on your hands
And bury your head in the sand

Hard not to make other plans
And claim that you've done all you can all along
And life must go on

It's hard, hard to stand up for what's right
And bring home the bacon each night
Hard not to break down and cry
When every idea that you've tried has been wrong

But you must carry on

It's hard but you know it's worth the fight'
Cause you know you've got the truth on your side
When the accusations fly, hold tight
Don't by afraid of what they'll say
Who cares what cowards think, anyway

They will understand one day, one day

It's hard, hard when you're here all alone
And everyone else has gone home
Harder to know right from wrong
When all objectivity's gone

And it's gone
But you still carry on

'Cause you, you are the only one left
And you've got to clean up this mess
You know you'll end up like the rest
Bitter and twisted, unless

You stay strong and you carry on

It's hard but you know it's worth the fight'
Cause you know you've got the truth on your side
When the accusations fly, hold tight
And don't by afraid of what they'll say

Who cares what cowards think, anyway
They will understand one day, one day, one day...

Desigualdades e sistemas de educação-formação: o papel da formação de competências na construção do Estado social


Depois explico com mais calma o que está aqui em causa, e por que é que os países que desenvolveram robustos sistemas de educação-formação (ou seja, níveis de ensino anteriores e/ou paralelos ao ensino universitário) são aqueles onde as desigualdades económicas são mais baixas. Portugal não está neste quadro, mas se estivesse, a sua posição não seria muito diferente da dos EUA (estaria, creio, apenas um bocado mais para a direita).
O quadro é retirado deste excelente livro: Capitalism, Democracy, and Welfare (Cambridge University Press, 2005, p.19), de Torben Iversen, que é um dos autores mais importantes para pensar - e demonstrar empiricamente - porque é que os Estados sociais, correctamente desenhados, não são - pelo contrário - obstáculos ao crescimento. A sua política do Estado social não é, ou nao deve ser, contra os mercados, mas com os mercados, alimentando as suas dinâmicas, por um lado, e redistribuição dos riscos e rendimentos, por outro. Isto é uma mensagem muito importante tanto para a esquerda - que acha que o Estado social deve sempre combater e resistir aos mercados e ao capital, o que é um erro -, como para a direita - que acha que tudo o que é protecção dos trabalhadores e impostos retira eficácia ao funcionamento dos mercados e pesa no crescimento. Ambos estão errados, e a prova é que as associações patronais sempre participaram activamente, ao longo da história, na construção das políticas sociais, através da negociação de acordos com os sindicatos. Depois volto a este tema e àquela que pode ser chamada de asset theory of the welfare state.

Sunday, May 13, 2007

Mais desenvolvimento, maior intolerância às desigualdades na saúde?


Foi por acaso, a partir deste post do João Caetano, que descobri esta discussão muito interessante sobre o futuro do sistema americano de saúde na National Public Radio, envolvendo empresários, médicos, académicos, etc. Não é segredo que já há algumas décadas que os norte-americanos tentam encontrar uma solução para um sistema cada vez mais caro (já ultrapassou os 16% do PIB) (e incapaz de proteger uma parte muito significativa da população (46,6 milhões segundo dados de 2005, ou seja, 16% da população - sem dúvida aquela que mais precisaria de cuidados de saúde), já para não falar da cobertura incipiente de muitos. Para além dos 46 milhões acima referidos, estima-se que 37 milhões estão sem seguro largos durante períodos de tempo (dado que os seguros estão tipicamente attached aos empregos, quando se perde o emprego perde-se também o seguro de saúde), já para não falar daqueles que estão underinsured, uma vez que seguro de que dispõem é altamente limitado nos serviços e medicamentos que cobre.
Uma discussão academicamente séria e politicamente desapaixonada pode ser encontrada no último livro do sociólogo David Mechanic, The Truth About Health Care: Why Reform Is Not Working in America (Rutgers University Press, 2006, 228p.), que trabalha há mais de 30 anos estas questões nos EUA.
O imbróglio em que os EUA se meteram por achar que a saúde é um bem - e, por consequência, os seus cuidados uma mercadoria - como qualquer outro(a) está à vista de todos, mesmo dos empresários que se queixam de aumentos anuais impraticáveis nos seguros que pagam pelos seus trabalhadores, e que, no limite, prejudicam as empresas norte-americanas na competição internacional (agora estão preocupados, não é?) - muitas vezes contra países que resolveram esse problema através de sistemas públicos universais ou variantes público-privado, que cobrem todos sem excepção, garantindo níveis aceitáveis de qualidade, eficiência e equidade a um custo bastante razoável. Já várias vozes na economia política e na sociologia económica (por exemplo, Neil Fligstein no seu The Architecture of Markets (Princeton University Press, 2002, 288 p.)) haviam apontado para que, na Europa, o facto dos sistemas de saúde serem públicos ou mistos, apesar de pesarem mais nos impostos, acabem por sair, no cômputo geral, mais baratos, oferecendo uma importante vantagem comparativa às economias europeias. Muitos empresários americanos parecem estar a chegar agora a essa conclusão pela prática.

Saturday, May 12, 2007

Mais desenvolvimento, maior intolerância às desigualdades na saúde

Na China começam a ser regulares os protestos e a violência nos hospitais por parte dos doentes que vêem negados tratamentos por falta de capacidade financeira. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a China ocupa a 188ª posição em 191 países no que toca à igualdade financeira de acesso aos cuidados de sáude. O sistema, claro, é quase totalmente privado.

Este é um caso interessante de como o desenvolvimento faz subir as expectativas das pessoas e coloca mais alto limiar do inaceitável - sobretudo no caso da saúde, que não é, apesar do que o relativismo de mercado pretende, um bem como os outros.

"For hundreds of millions of poor farmers, all but the most rudimentary care by "barefoot doctors" is unaffordable. A peasant saying has it that a pig must be taken to market every time an ambulance siren wails, a year's work is ruined as soon as you sleep in a hospital bed, and if you are struck with a serious disease, 10 years of savings go up in smoke. In 2004 a report said 75% of rural patients who declined recommended hospital treatment did so because of financial reasons."

O resto da notícia aqui.

Thursday, May 10, 2007

Dados interessantes sobre as eleições francesas

Aqui, retirado do site do Le Monde.

*Agradeço à Mariana ter-me chamado a atenção para este documento.

Sunday, May 6, 2007

Robert Castel sobre a segurança social profissional

As eleições francesas já passaram, mas as propostas e as ideias para o futuro ficam. Aqui podemos encontrar uma série de propostas feitas de investigadores, académicos e intelectuais de esquerda.

Aqui, Robert Castel fala da necessidade de se criar uma segurança social profissional.

As suas reflexões mais recentes podem ser encontradas no seu pequeno livro, Insecurité sociale : Qu'est-ce qu'être protégé, publicado pela excelente colecção République des Idées.

E agora?

Sarkozy foi eleito. Ainda restam as legislativas de Junho, mas não é expectável que saia grande coisa para a esquerda.
Resta o futuro. E resta esperar que a esquerda francesa - o PSF e a gauche de la gauche (seja lá o que isto quer dizer) - compreenda porque é que, quando chegarmos a 2012, no fim do (primeiro?) mandato Sarkozy, e tiverem passado 54 anos da fundação da V República, a esquerda só tenha tido um presidente durante 14 deles (1981-1995, com Mitterrand): apenas um pouco mais de um quarto do tempo.
Sarkozy ganhou porque tinha um programa ajustado a diferentes sectores do eleitorado: liberalismo para os ricos e empresários, autoridade e moral para as classes populares conservadoras (e algumas delas ex-PCF e que entretanto se tinham passado para Le Pen), promessa de firmeza, junto das classes médias à deriva, que acabaria a "vida fácil" para os "assistidos" e os usurpadores da lei pela violência. Para os que pensam que basta gritar “precaridade!” para que a consciência das pessoas vire à esquerda, convém lembrar que, perante esse mesmo grito de guerra, as classes médias podem muito simplesmente virar à direita, por sentirem precisamente que o seu estatuto fragilizado se defende fazendo uma aliança para cima, com os ricos, e não para baixo, com os pobres – os mesmos que, se o Estado social for demasiado generoso, pensam eles, poderão potencialmente morder os seus calcanhares - e dos seus filhos. Perante o grito da precariedade, as classes médias podem simplesmente colocar os seus filhos nas escolas privadas em vez das públicas; fazer seguros privados de saúde; aceitar o fim do welfare as we know it e a sua substituição pelo workfare; concordar com o reforçar das medidas de tolerância zero para os que Sarkozy chamou racaille. Convém pensar nestas consequências não-pretendidas de slogans e causas que à esquerda, podem fazer sentido e são legítimos, mas são que interpretadas de outra forma por quem não está particularmente preocupado com os mais desfavorecidos – pelo contrário. É por isso que é tão importante, ao mesmo tempo que se lançam os slogans e as causas, se façam propostas construtivas exequíveis – em caso contrário, essas causas podem simplesmente ser apropriadas by the wrong people, with the wrong ideas, voting for the wrong guy.
Será isto populismo por parte de Sarkozy? Talvez seja, sim. Mas é a prova que resulta eleitoralmente - ao contrário do populismo de esquerda. É preciso perceber porquê, e por que motivo, à esquerda, não vale a pena continuar com mesma retórica de sempre.
A esquerda francesa gosta de olhar com superioridade moral e ideológica para o New Labour de Blair. Pois bem, comparemos as situações: Blair vai sair agora, pelo próprio pé, depois de ter estado 10 anos no poder. A sua "terceira via" tem muitos buracos, sim, mas pelo menos foi uma plataforma ideológica minimamente coerente que lhe permitiu acabar com 18 anos de poder conservador e trazer novas ideias para a esquerda europeia. Não precisamos de concordar com todas elas para reconhecer isto. Convenhamos que, em democracia, estar no poder conta um bocadinho. Mesmo que, para tal, seja necessário convencer os eleitores - mesmo que à custa das tão heréticas "cedências". É que não é a história política, os livros-fetiche ou a ideias românticas que votam. São os eleitores.

Um Maquiavel precisa-se para a esquerda francesa.

P.S. - "C'est un très grave défaite pour la gauche, affirme Dominique Strauss-Kahn, sur TF1, citant une "troisième défaite" à la présidentielle. Il dit qu'il partage "l'inquiétude" de certains Français après l'élection de M. Sarkozy. Il salue le "combat courageux" de Ségolène Royal. "Jamais la gauche n'a été aussi aussi faible au premier tour, répète-t-il. Pourquoi ? Parce que la gauche française n'a toujours pas fait sa rénovation."

Vindo de quem vem, é preciso ter descaramento!

Thursday, May 3, 2007

Posição original

O "Véu de Ignorância" está de regresso. Em Fevereiro do ano passado iniciei-me nestas coisas da blogosfera com a parceria desse amigo único que é o Pedro Alcântara da Silva. Foi uma experiência intensa de cerca de 7 meses, que me permitiu conhecer muitas pessoas. Em Janeiro último regressei ao activo em conjunto com algumas delas - a quem agradeço por me terem recuperado para estas andanças blogosféricas - nesse projecto colectivo que é "A Vez do Peão". Continuarei a colaborar com eles regularmente - mas quem me quiser seguir num registo mais pessoal - and who says personal says political - deve passar por este espaço, ainda em construção: o Véu da Ignorância II.

O senhor retratado aí à direita é John Ralws, cujas ideias servirão de inspiração, broadly speaking, para o que terei para dizer daqui para a frente - em particular o seu princípio da diferença, segundo o qual «social and economic inequalities are to be arranged so that they are (...) to the greatest benefit of the least advantaged». A igualdade possível e desejável é a igualdade que serve os vencidos.

Como inspiração inicial, ficam os belíssimos acordes do tema 'Chicago', de Sufjan Stevens.