Wednesday, January 30, 2008

A despedida anunciada II


John Edwards acabou de apresentar a sua desistência à corrida para a nomeação Democrata, com o cenário semi-destruído de Nova Orleães como pano de fundo. Foi um discurso notável, cheio de alusões à responsabilidade colectiva por garantir a realidade de uma vida decente a cada americano.

Oxalá os outros candidatos saibam falar para os que, e em nome dos quais Edwards falava - aqueles que, sem casa ou seguro de saúde, lhe pediram, em pessoa, para que ele não se esquecesse deles.

Sem Obama e Clinton na mesma corrida, Edwards teria tido outras hipóteses.

Update: o texto completo do discurso de hoje de Edwards está disponível aqui.

A despedida anunciada

Edwards pulls out of presidential race.

Para onde irão os "seus" votos?

A diferença entre capitalismo empresarial e capitalismo gestionário

«35 per cent of US and 20 per cent of British entrepreneurs are dyslexic. Only 1 per cent of corporate managers in the US have dyslexia.»

in Prospect, January 2008, p.7

Thursday, January 24, 2008

Mais impressões

A corrida democrata aqueceu nos últimos pelos piores motivos: ataques pessoais e "lavagem de roupa suja" pessoal e institucional. John Kerry já compara a campanha dos Clinton contra Obama à infâme propaganda lançada pelos Republicanos na eleição de 2004 que colocava em causa os seus desempenhos militares. Aqui, na táctica do golpe baixo, Hillary parece ter a lição melhor estudada que Obama.

Mas não é só aqui. No debate de segunda-feira ficaram visíveis alguma diferenças entre os candidatos que podem determinar o evoluir da campanha e a adesão dos eleitores: não é só o facto de Hilary falar mais rápido e de forma assertiva, transpirando confiança, enquanto Obama gagueja sistematicamente (mesmo que isso o torne mais 'humano'); e não é só o facto de Obama ter percebido que o discurso da "mudança" e "unir" os amernicanos não escapa à lei dos rendimentos decrescentes; é, parece-me, o discurso de Obama ser órfao de referências doutrinais mais claras - que não de contornos quasi-religiosos - e de uma história de exemplos de política (no sentido da policy) que tenham funcionado no passado para ajudar os americanos a sair da crise. Assim, se Hilary Clinton não estivesse na corrida, Obama podia reivindicar de forma mais clara o legado de Bill Clinton. Para quem se recorda, não só Clinton venceu as presidenciais de 1992 surfando precisamente na onda do discurso da "mudança", como concorreu com uma plataforma de política económica que retirou os EUA de uma situação complicada (daí o sucesso do "é a economia, estúpido!") e relançou o crescimento, estimulando a maior vaga de criação de emprego de sempre que os EUA viverma em tão curto espaço de tempo. Quem lê as propostas de policy de Obama no seu livro vê que ele não procura reiventar a roda: a receita é basicamente a mesma Clintonomics mais o choque energético, aliás comum a todos os candidatos.

Ora, não só Obama não pode reivindicar a mesma capacidade de instituir a mudança - e carisma, uma das armas de Bill, não lhe parece faltar - como não pode elogiar a política económica dos nineties, pela simples razão que Hillary é quem, mesmo infra-discursivamente e sem nunca o tornar explícito, transporta essa mensagem. Bill não está na campanha apenas por causa dos seus dotes de orador e entertainer de multidões: ele representa a prosperidade da década passada que só o rebentamento da bolha da new economy abalroou.

Com isto, Obama vê-se na "obrigação" de acabar por tecer vagos - mas politicamente infâmes, digo eu - elogios a Ronald Reagan, porque na história recente não há ninguém, para além de Clinton, em quem um candidato democrata se possa inspirar - e porque, claro, está à caça desse recurso tão importante que se chama swing voter (ler um capítulo do livro aqui).

Dito isto, a verdade é que está tudo em aberto, até porque dificilmente Obama perderá na Carolina do Sul neste sábado - e margem maior ou menor da sua vitória pode ser mais importante que o primeiro lugar em si.

É importante ter em consideração que a batalha democrata não acaba com uma suposta vitória em Novembro. Há eleições para o Congresso agora em 2008 e depois em 2010 (agradeço ao João por me ter esclarecido esta questão das datas das eleições). É extremamente importante para o partido Democrata ganhar de novo a Câmara dos Representantes como o fez em 2006. Foi isto que Clinton não conseguiu - e o facto de ter perdido o Congresso em 1994 moldou não apenas o seu discurso como também as suas políticas: sem a pressão de um Congresso nas mãos dos Republicanos, é bem possível que famoso "end of welfare as we know it" que serviu de inspiração política à welfare reform de 1996 não tivesse acontecido, e a dimensão mais punitiva do workfare na versão americana tivesse ficado na gaveta.

É por isso que é extremamente importate para os Democratas eleger alguém que tenha capital político suficiente não apenas para ganhar em Novembro, mas para inspirar o país e mantê-lo unido à la longue. Hillary Clinton pode garantir as bases democratas o suficiente para beneficiar de um eventual (e legítimo!) descontentamento do eleitorado com uma administração Republicana - mas McCain, no caso de ser o candidato Republicano, promete ser um osso duro de roer. Mas mesmo que Hilary ganhe as presidenciais, a questão é: concederá o eleitorado americano mais poder, na prática, a uma administração Clinton, renovando a sua vantagem no Congresso? Ou os anti-corpos que gerou (ela e Bill, claro) ao longo dos anos em inúmeros sectores da sociedade americana falariam mais alto? Esta questão é tão fulcral como difícil de responder agora. Mas uma potencial penetração de Barack Obama nos swing voters desiludidos com a administração Bush pode ser não apenas decisiva para Novembro próximo; ela pode ser central também para obter o apoio que permita manter o país unido por trás de uma administração Democrata. Isto é importante porque, sem amplos consensos institucionais, é muito difícil fazer mudanças políticas nos EUA. Mas este é um tema para outro post, que trabalhe a questão da fragmentação de poder no sistema político americano.

A ideia crucial é simples, porém: para mudar a América, os Democratas precisam de ganhar em 2008 e em 2010, e para isso precisam de ter uma plataforma filosófica ou axiológica - para além da política enquanto policy- que reúna consenso. Claramente, é neste tipo de plataforma que Obama aposta. E aposto que quando ele reza não gagueja.

P.S. - Claro, não falei de Edwards, que para muitos - acho que me incluo no lote - ganhou o debate de segunda-feira. O seu problema é ter dois candidatos muito fortes na corrida. Deixou, parece-me, de falar sistematicamente de corporate greed e passou, no seu Estado, ao ponto forte do seu discurso: the war on poverty.
Ou melhor, pensado bem, o problema não é apenas aquele que referi duas linhas acima. O seu grande problema é que está, simplesmente, do lado errado do Atlântico.

Oh, chamem a ASAE

High Mercury Levels Are Found in Tuna Sushi.

P.S. - Por falar em ASAE, a comparação que José Manuel Fernandes faz no seu editorial do 'Público' desta quarta-feira entre o «inefável presidente da ASAE» e Torquemada, «o primeiro grande inquisidor de Espanha, o carrasco dos judeus em nome da pureza da moral e dos costumes», é das mais despropositadas que li nos últimos tempos - e garanto-vos que li muitas. Qualquer dia, claro, ainda o acusam de anti-semitismo. E com isto já dei uma dica à Esther Mucznik, dado que este é um dos seus hobbies preferidos.

O futuro?

EUA
Alunos pagos a 8 dólares à hora para frequentarem aulas de apoio
2008-01-24, 00h37

Washington, 24 Jan (Lusa) - Duas escolas norte-americanas da Geórgia (sul), insatisfeitas com os resultados escolares medíocres dos seus educandos, decidiram pagar aos maus alunos oito dólares à hora para frequentarem aulas de apoio.
"Começámos terça-feira. Os alunos estão entusiasmados. Estavam todos presentes", congratulou-se o reitor do liceu Creekside Hide, de Fairburn, perto de Atlanta.
Vinte alunos deste liceu e outros tantos do colégio vizinho Bear Creek foram seleccionados pelos maus resultados e convidados a frequentar as aulas de apoio de Matemática e de Ciências recebendo em troca uma retribuição monetária.
Duas vezes por semana, podem seguir as aulas de apoio que têm a duração de duas horas. A oito dólares à hora, podem ganhar até 32 dólares por semana, se forem assíduos.
"Na nossa comunidade é mesmo preciso ser-se criativo para interessar alguns alunos. Penso que este convite tem pernas para andar", sublinhou o reitor do liceu, com uma população escolar de 2.500 alunos.
A iniciativa, lançada a título experimental durante 15 semanas, é financiada por uma fundação privada.
No final da experiência, se os alunos conseguirem obter um "Bom" ou mais nos seus deveres de Ciências e de Matemática, poderão mesmo meter ao bolso um bónus de 125 dólares, indicou o reitor.
"Oferecemos outros programas de apoio, mas geralmente são os alunos que não têm necessidade que vêm, e aqueles que precisam é muito difícil interessá-los", concluiu.

«Is it wicked not to care?»...



...perguntam os Belle and Sebastian. A resposta é, obviamente, só uma: yes, it is.

Wednesday, January 23, 2008

Invisíveis

Quando os candidatos do Partido Democrata se referem aos problemas económicos do país, parece que as desigualdades que merecem real atenção se resumem ao gap crescente entre a middle class e os hiper-ricos - os tais que têm comprado os taxs cuts com que a Administração Bush os tem confortado ao longo deste anos. A classe média está falling behind, dizem-nos; a mobilidade ascendente, esse mito tão americano, está bloqueada. Isto é verdade.

Mas, com a excepção de algumas referências de John Edwards ao problema da pobreza persistente, os candidatos falam muito pouco daquela que Gunnar Myrdal em 1963, no seu clássico Challenge to Affluence - que pintava o futuro da economia americana em tons escuros, antecipando a sua incapacidade para lidar com a futura (hoje actualíssima) vaga de desindustrialização que iria abanar o aparelho produtivo nas décadas seguintes - descreveu como aquela «unprivileged class of unemployed, unemployables and underemployed who more and more hopelessly set apart from the nation at large and do not share in its life, its ambitions and its achievements».

Em campanha eleitorial, porém, nada disto é de estranhar. Os mais pobres praticamente não votam; nem fazem donativos para campanhas. No dia em que o fizerem, como diz o outro, é porque provavelmente deixaram de ser pobres.

Monday, January 21, 2008

Transparência?

A CNN explica bem o que se passou (ou passa) com os delegados democratas nas primárias do Nevada: já há local delegates (que Clinton venceu, correspondendo aos 51% que obteve), mas ainda não há national delegates, cuja estimativa dá vantagem a Obama sobre Clinton (13-12). Mas este número só ficará definido em Abril, durante a convenção estadual do Partido Democrata.

Como se percebe, isto é tudo menos simples. Gostava de saber a percentagem, daqueles que votam, que realmente percebem como isto funciona.
Numa escala internacional de transparência do sistema eleitoral, os EUA teriam que ficar muito mal classificados.

Sunday, January 20, 2008

Onde é que nós já vimos isto - há umas décadas, noutro continente, mas sob a mesma bandeira ideológica?

Venezuela
Leite, farinha, arroz, frango e outros produtos "desapareceram" dos supermercados
2008-01-20, 21h38


Caracas, 20 Jan (Lusa) - Os problemas de abastecimento alimentar intensificaram-se nas últimas semanas, com o desaparecimento das prateleiras dos supermercados de produtos como o leite, queijos, ovos, açúcar, farinha de trigo, frango e ovos, entre outros.

A agravar a situação, quando alguns destes produtos reaparecem momentaneamente, os preços de venda são superiores aos fixados pelo Governo, nalguns casos são 40 por cento mais altos que em Dezembro de 2007, altura em que a inflação acumulada, segundo o Banco Central da Venezuela, atingiu os 22,5 por cento.
(...)

Claro...

...que há uma boa explicação para o facto que apontei no post anterior: todos estão distraídos. A começar pela própria CNN, cujo grande destaque do seu site é, no momento em que escrevo, nem mais nem menos que o último elemento da telenovela gerada em torno do desaparecimento de Madeleine McCann.
Isto sim, interessa ao mundo.

Wait a second....

Hillary Clinton teve mais votos do que Barak Obama em Nevada: 51% contra 45%. Certo. Mas Obama teve mais delegados: dos 25 em disputa, Obama ficou com 13 e Clinton com 12 (o que aliás permite ao senador de Illinois aumentar a sua vantagem de 1 para 2 no total de delegados atribuídos até agora - por muito pouco que isto conte nesta altura do campeonato, como é natural).

Estranha-me que ninguém - pelo menos a imprensa, dado que parece normal que Obama não queira entrar fazer muito barulho por causa disto - pareça valorizar isto: o que conta são os delegados, não o popular vote.

Wednesday, January 16, 2008

Por falar em socializar o risco....

Reino Unido
Gordon Brown admite nacionalizar o banco Northern Rock

2008-01-16, 00h49
Londres, 16 Jan (Lusa) - O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, declarou terça-feira que o seu governo coloca seriamente a possibilidade de nacionalizar Northern Rock, o banco britânico atingido pela crise mundial do crédito, se não se resolver a sua crise financeira.
Numa entrevista concedida à cadeia ITV, Brown indicou que, embora "várias" empresas privadas tenham manifestado interesse no banco, a nacionalização poderá ser necessária para preservar a estabilidade da economia britânica.
"Dado que a estabilidade é um assunto chave, consideraremos todas as opções, e isso inclui fazer com que a empresa passe a ser propriedade pública para depois transferi-la de novo para o sector privado", declarou.
"Sim, a nacionalização é uma das opções a ter em conta", reforçou.

Isto até seria cómico....

...se não fosse antes de tudo trágico: Bush a pedir a líderes e a empresários sauditas que se lembrem que o preço do petróleo “[has] affected our families”; “Paying more for gasoline hurts some of the American families.”

Ainda me lembro de Rupert Murdoch sonhar em voz alta com o barril de petróleo a 20 euros nas vésperas da invasão do Iraque em 2003: «greatest thing to come out of this [war]».

Tuesday, January 15, 2008

Os lucros são privados; e os riscos, públicos?

Queda de gigante do Citigroup
Maior banco dos EUA apresenta prejuízos mais altos de sempre

Foi um dia negro para todas as bolsas. Os mercados estão a ser pressionados por uma má notícia: o Citigroup, o maior banco norte-americano, anunciou prejuízos superiores a seis mil e seiscentos milhões de euros, no quarto trimestre.

São os piores resultados de sempre em quase 200 anos de história do Citigroup. Este resultado reflecte o impacto da crise no crédito hipotecário nos Estados Unidos, em especial no crédito de alto risco. O banco pretende agora reduzir quatro mil e 200 postos de trabalho. Ou seja, cerca de seis por cento do número total de colaboradores. Irá ainda haver uma redução de 41 por cento nos dividendos.

Vamos ver o que faz Bush.

Se fosse um país muçulmano...

...já o mundo livre estava em ebulição - e bem - contra a restrição da liberdade de expressão. Como é a 'capitalista' China...

[obrigado, Susana, pela foto]

China
Citroên pede desculpa pelo anúncio com retrato distorcido de Mao Zedong

2008-01-15, 12h45
Pequim, Jan 15 (Lusa) - A empresa automóvel francesa Citroën pediu desculpas à China pelo anúncio publicitário em que utilizou uma imagem distorcida do famoso retrato de Mao Zedong, anunciou hoje a imprensa estatal chinesa.
O anúncio apareceu, entre outras publicações espanholas, no jornal diário El Pais e mostrava o famoso retrato do líder revolucionário chinês com um rosto irónico, de boca cerrada, sobrolho franzido e olhos vesgos.
Os criativos da Citroën modificaram o retrato de Mao Zedong que está colocado diante da Praça de Tiananmen, centro político histórico de Pequim.
"Somos líderes, mas na Citroën, a revolução nunca termina", dizia o slogan do anúncio em referência ao volume de vendas que a empresa considera um sucesso e pretende repetir em 2008.
"A imagem foi distorcida (...) e a imagem de Mao está muito estranha", referiu o jornal estatal chinês Global Times, acrescentando que o anúncio causou protestos e incómodo entre os chineses que vivem em Espanha.
Também surgiram críticas online ao anúncio. "Enquanto chinês sinto-me bastante insultado quando vi o anúncio", escreveu um internauta no portal Tianya (www.tianya.com). "Não só é um insulto ao presidente Mao, mas a toda a nação chinesa", conclui.
Muitos chineses admiram Mao, que consideram ser responsável pela união do país depois da guerra civil de 1945-1949.
De acordo com a mesma fonte, a Citroën já emitiu um pedido de desculpas e comprometeu-se a não voltar a utilizar a publicidade.
"A Citroën pede profundas desculpas por qualquer desagrado causado pelo anúncio espanhol da Citroën e pede desculpas a todos os que possam ter sido ofendidos por ele", lê-se num comunicado da empresa, citado pela imprensa chinesa.
"A Citroën reitera a sua amizade pelo povo chinês e respeita grandemente as figuras e símbolos chineses", afirmou à imprensa, um porta-voz da empresa na China.

Monday, January 14, 2008

Irrational exuberance

Boa parte da prosperidade dos últimos anos das famílias americanas assentou na valorização da propriedade imobiliária. A irrational exuberance dos bancos - que passaram a emprestar dinheiro de forma cada vez menos criteriosa - alimenta a dos consumidores - que exploraram a subida do valor da propriedade e a criativa engenharia financeira permitida pelas entidades credoras para se endividarem ainda mais -, levando, quase inevitavelmente, à criação de uma bolha. Isto é o que acontece quando a bolha rebenta.

Entretanto, em Espanha...

...Há eleições legislativas no início de Março. Uma sondagem recente atribui uma vantagem de 3% ao PSOE, ainda que o PP tenha recuperado 2,5% em relação ao mês de Dezembro.

Sunday, January 13, 2008

O Partido Conservador Português

A atitude do PCP em relação ao programa Novas Oportunidades tem sido verdadeiramente extraordinária. Ninguém fica espantado quando as críticas do “facilitismo por defeito” têm origem nos partidos da direita, mas quando o cepticismo e a má fé em doses industriais é oriunda do PCP, não deixa de ser elucidativo.
As mesmas operárias e operários fabris e empregadas e empregados de serviços que o PCP vê como “explorados” no lugar de trabalho e obviamente merecedores de um imediato aumento de salários e de outros benefícios laborais e sociais, quando abandonam o lugar de trabalho e entram no Centro Novas Oportunidades em que estão inscritos, deixam o seu estatuto de oprimidos e passam a ser alvos de um programa “facilitista” e da propaganda governamental. O PCP passa então a raciocinar exactamente da mesma forma que o desumano e egoísta patrão que está militantemente contra todo o tipo de “facilitismos” que enviem “sinais errados” aos trabalhadores, e que acha logicamente que qualquer aumento de salários deve ser “merecido”. O PCP está a favor da redistribuição salarial sem olhar a consequências, mas contra a redistribuição de diplomas e o reconhecimento das competências profissionais dos cidadãos/trabalhadores. O PCP, através da sua linha avançada conhecida por FENPROF, acha um “ataque” inconcebível que alguém possa sequer questionar a qualidade e fiabilidade do trabalho dos professores do ensino básico e secundário, mas não tem problemas em desprezar a seriedade do trabalho dos que levam a cabo os processos de reconhecimento, validação e certificação de competências dos cidadãos/trabalhadores. Os primeiros são intocáveis; os segundos são, provavelmente, uns aldrabões.
O PCP é, obviamente, o Partido Conservador Português.

«She sends her regards...»

Thursday, January 10, 2008

Electoral Compass USA

Deu Edwards.

Agora completo:

Your position in comparison with the candidates.You have responded to 36 propositions. Based on the responses you provided, you are the closest toJohn Edwards and you are the furthest away from Fred Thompson

John Edwards
You are 3% economic left
You are equally social-liberal as social-conservative
You have a substantive agreement of 71%

Hillary Clinton
You are 2% economic right
You are 5% more progressive
You have a substantive agreement of 76%

Bill Richardson
You are 2% economic left
You are 5% more progressive
You have a substantive agreement of 71%

Barack Obama
You are 8% economic left
You are 11% more traditional
You have a substantive agreement of 76%

Ron Paul
You are 52% economic left
You are 21% more progressive
You have a substantive agreement of 49%

Rudy Giuliani
You are 56% economic left
You are 40% more progressive
You have a substantive agreement of 44%

John McCain
You are 48% economic left
You are 54% more progressive
You have a substantive agreement of 44%

Mitt Romney
You are 58% economic left
You are 54% more progressive
You have a substantive agreement of 42%

Mike Huckabee
You are 53% economic left
You are 60% more progressive
You have a substantive agreement of 39%

Fred Thompson
You are 56% economic left
You are 69% more progressive
You have a substantive agreement of 35%

Ainda o Estado social a nível internacional


O Nuno Teles faz menção a um post que eu escrevi há já umas semanas sobre a questão do globalização, da Europa e do estado social. Coloco este quadro (retirado deste artigo:
"Globalisation, Domestic Politics, and Welfare State Retrenchment in Capitalist Democracies", de Duane Swank, publicado na Social Policy & Society 4:2, 183–195, 2005)
para complementar a resposta que já dei ao seu post.
Vemos aqui medidos os níveis de protecção social em diferentes áreas: no subsídio de desemprego, nas pensões e nos serviços; a última coluna mede o nível de desmercadorização global, que é definido como a capacidade que as pessoas têm para viver sem depender dos recursos provenientes do mercado (por acção do apoio estatal).
As médias mostram que houve uma grande estabilidade em duas épocas que deviam representar, segundo a received wisdom (à esquerda e à direita), o declínio do Estado social. Os países de modelo social-democrata mantiveram os níveis muito altos de protecção (a Finlândia e a Noruega subiram; a Holanda e sobretudo a Suécia desceram, mas esta mantém-se na média); os países do modelo corporatista viram a sua média subir, ainda que a Suíça teha sofrido uma quebra importante, mantendo níveis de protecção intermédios; e os países do modelo liberal, os que tinham níveis de protecção mais baixos, aqueles onde o mercado tem maior centralidade enquanto mecanismo de coordenação e protecção, mantiveram-se no fundo da tabela. O cenário ao nível de desmercadorização é, portanto, de ampla estabilidade, apesar das enormes mudanças que a economias nacionais sofreram nestas duas décadas, e que levaram, como já tinha referido no meu post original, a uma subida generalizada dos gastos sociais - os tais que permitiram a conservação dos níveis históricos de protecção dos cidadãos/trabalhadores.

Wednesday, January 9, 2008

E eu, ingénuo, que pensava que o sindicalismo português era autónomo em relação aos partidos

No "Público" de hoje:

Carvalho da Silva pondera deixar liderança da CGTP devido a pressões do PCP
09.01.2008, São José Almeida
A preparação do congresso da central está em ebulição. O PCP tenta influenciar os nomes e a estratégia da direcção. Carvalho da Silva já avisou que, se isso acontecer, bate com a porta.

Bye bye Edwards

Com o resultado de hoje, Edwards perdeu qualquer hipótese de disputar a nomeação para o Partido Democrata. É pena que seja este o outcome, mas era por demais previsível. Ninguém pode pretender ganhar uma eleição nos EUA depois de repetir milhares de vezes a expressão corporate greed (aliás, o mesmo se aplica em qualquer país europeu - bom, talvez com a excepção da França, o que pode muito bem ser uma das razões pelas quais o PSF perde eleições com frequência excessiva!). Por muita razão que tivesse nos argumentos apresentados, Edwards seria, numa campanha a sério, carne picada nas mãos da máquina mediática Republicana, que o acusaria seguramente de estar a preparar um golpe socialista em Washington ou coisa do género. Edwards poderia ter aludido aos mesmos problemas que tinha na agenda - e que são os de muitos americanos - se tivesse utilizado outra linguagem menos populista e adoptado uma postura menos guerreira. A política da raiva talvez pudesse funcionar num contexto do género da Grande Depressão do início dos anos 30, mas não hoje.
Para quem irão os seus votos agora? Obama ou Clinton ou...para ninguém? O que Edwards decidir fazer pode ajudar enormemente a decidir quem ganha esta disputa eleitoral.
Não seria descabido que os 'entregasse' a Obama. E talvez Obama, se vencesse, o premiasse com o cargo de vice. Talvez o ticket Obama-Edwards não seja má ideia.

É mesmo bem feito

Quem me manda acreditar em sondagens? Mesmo quando são 18.

Tuesday, January 8, 2008

Um passo importante

França - Sarkozy quer novas formas de medição do crescimento económico

2008-01-08, 12h34
Paris, 08 Jan. (Lusa) - O presidente francês, Nicolas Sarkozy, anunciou hoje que dois prémios Nobel de Economia vão liderar um grupo de peritos internacionais encarregue de reflectir sobre novos instrumentos e critérios de medição do crescimento económico.
Nicolas Sarkozy pretende um novo método que tenha em conta não somente a quantidade mas também a qualidade.
"Se os critérios e indicadores de riqueza continuam os mesmos, como vamos mudar o modo de produção?", perguntou Sarkozy na primeira conferência de imprensa formal no Eliseu desde que assumiu a Presidência da França em Maio passado.
O chefe de Estado conservador anunciou que Amartya Sen aceitou dar-lhe os seus "conselhos" e que Joseph Stiglitz presidirá o comité de peritos.
Sarkozy, que enquadra esta reflexão na chamada "politica de civilização" que quer fomentar, defendeu a necessidade de escapar a um enfoque "demasiado quantitativo e contabilístico" do crescimento.
"Se continuamos prisioneiros da visão restritiva do Produto Interno Bruto (PIB), não podemos esperar mudar" os comportamentos e as formas de pensar, explicou.
Para favorecer um "outro tipo de crescimento", é preciso alterar "o nosso instrumento de medição", insistiu Sarkozy.
Pretende que a medição do progresso económico seja mais completa, tome mais em conta "a qualidade de vida dos franceses", que já não suportam "um desfasamento crescente" entre as estatísticas que mostram um progresso contínuo e "dificuldades crescentes" no seu dia a dia: isto "mina a confiança porque já ninguém acredita nas estatísticas", declarou.
Sarkozy disse querer que a França dê o exemplo reunindo um grupo de peritos internacionais para reflectir sobre uma mudança dos instrumentos e dos critérios de medição do crescimento.


Sobre esta importante questão escrevi algumas coisas aqui, aqui, aqui e aqui.

Segundas impressões

Várias sondagens indicam que Obama vai mesmo ganhar mesmo New Hampshire na votação de hoje à noite (ou madrugada de quarta-feira). Este resultado não significa o fim da campanha de Clinton, longe disso. O processo eleitoral será longo, e Hilary tem uma série de estados que pode considerar seus (Arkansas, Connecticut, New Jersey e New York - isto se o onda de entusiasmo por Obama não virar as sondagens que dão ampla vantagem a Hilary, claro está). Tudo ficará em aberto, em princípio, para a "Super Terça-Feira" de 5 de Fevereiro.
O problema de Clinton não é, portanto, o facto de se terem esgotado as oportunidades institucionais para reverter o processo, tanto mais que a convenção democrata inclui 'superdelegados' que não são eleitos pelo estados, e, à distância, Hilary parece bem colocada para (sobre este processo complicado, pode ler-se isto). O problema é mais grave: Hilary não parece ter estratégia para travar a onda de entusiasmo que se gerou em torna da candidatura de Barak Obama. Basta ver o que aconteceu com a palavra change, que Obama foi o primeiro usar de forma sistemática. Agora, todos os candidatos falam de change - incluindo os republicanos, o que gera uma situação que está algures entre cómico e o ridículo, como capta esta reportagem da CNN. Clinton está obcecada por fazer passar a mensagem que ela também é uma agent of change. É verdade que o facto de toda a gente andar a usar a mesma palavra para tudo e para nada vai esgotar muito rapidamente o seu valor de uso. Mas a sua cooptação do discurso de Obama é um sinal de enorme fraqueza estratégia e discursiva. Não apenas porque demonstra não ter nenhuma mensagem capaz de se sobrepor à de Barack - podia colocar a ênfase na sua 'experiência', mas a sua mais-valia política seria sempre fraca - como aceitou jogar no campo do adversário, segundo as suas regras. O problema de Clinton (e para o seu estratega principal, Mark Penn) é que, aqui, as regras que dão parecem dar uma vantagem muito particular a Obama vão muito para além do poder do discurso. Todos sabem que a mensagem da "mudança" é banal e, no limite, leviana e perigosa (como aliás Hilary salientou há uns dias). O que transforma tudo é essa palavra ser um dos eixo da mensagem de Barack Obama, que é afro-americano e 14 anos mais novo que Hilary. O decisivo é quem o diz, não o que é dito (change na boca de um WASP previsível como G.W.Bush seria tudo menos um slogan apelativo).
Não só Obama é um afro-americano, como pertence a uma geração diferente a Clinton, que, "só" sendo 14 anos mais velha que ele, já ocupou, para todos os efeitos, a Casa Branca (quando a vemos, somos inevitavelmente transportados para 1992); Obama, que andava na escola quando Martin Luther King foi assassinado, não representa, como Jesse Jackson - que foi o único candidato democrata afro-americano a disputar umas primárias, em 1988 -, o legado daquele. Se é verdade que só possível estar onde está porque foi capaz de subir para os seus ombros de King, e se não raras vezes usa a linguagem dos direitos civis e fala da necessidade da sua consolidação (a memória do "roubo" da eleição de Al Gore em 2000 é naturalmente fresca), Obama representa uma geração que nasceu para a política depois dos conflitos dos anos 60 e 70, e que se prolongaram nos anos 80 e 90 com as chamadas culture wars (onde a questão racial nunca está esquecida). Esta é uma guerra que ele - e muitos como ele, sobretudo os eleitores mais novos - não só não viu nascer (e por isso não toma como sua), como não vê grande sentido. Jackson já insinuou várias vezes que Obama esquece o seu passado e não representa convenientemente os afro-americanos (ou seja, que não "é negro o suficiente") - esquecendo que a (híbrida) identidade de Obama foi construída para lá das lutas que constituíram os afro-americanos como grupo político entre os anos 60 e 80, e que a sua estratégia passa, coerentemente, por se afirmar como um representante de todos os americanos.
É por isso que a mensagem da mudança expressa por Obama nunca poderá ser igualada por qualquer discurso ou demonstração de Hilary, que, diga o que dizer, prove o que provar ao nível do CV político (onde baseia a sua asserção de que também ela é uma agente da mudança), é filha dos anos 60 e está há tempo demais sob os holofotes da política americana para não ser odiada por várias facções conservadoras.
Este é o maior drama de Clinton: a vantagem de Obama é extra-discursiva e é provável que nenhum rebranding da candidatura de Hilary consiga ultrapassar o que Obama representa, para além das suas palavras, para grupos politicamente tão diferentes da sociedade norte-americana.
A vantagem de Obama - se não me engano, a nível nacional e não apenas nestas primárias - será mesmo da ordem da meta-política: não é uma questão de propostas ou medidas de policy concretas, nem uma questão de democratas vs. republicanos (ou seja, o facto do eleitorado estar cansado destes últimos, o que já ficou patente nas eleições para o Congresso em 2006). Ele representa uma reconciliação dos EUA com a sua história, no duplo sentido de procurar sarar feridas do passado e de actualizar promessas que o país deixou ou deixa por cumprir a nível nacional e internacional.

Monday, January 7, 2008

«It's the economy, stupid!»

John Edwards é o único nesta campanha que, ao nível do discurso e de forma explícita, leva os problemas da economia americana, do ponto de vista das classes trabalhadoras e das classes médias, a sério.

Um dos problemas é evolução do poder de compra do salário mínimo ao longo das últimas décadas, como o quadro abaixo bem demonstra (retirado daqui):

Saturday, January 5, 2008

To «heal a nation and repair the world»

Este artigo de Jonathan Raban no The Guardian sobre as filiações religiosas da linguagem e da estrutura de argumentação de Barack Obama é notável.

Friday, January 4, 2008

Primeiras impressões



Este é o discurso de Barak Obama ontem depois de saber da sua vitória no Iowa. Tem, parece-me, 3 palavras/significados-chave: 'esperança', 'mudança', 'união'.
Para muitos democratas/liberais pode saber a pouco e parecer sensaborão. Muitos na linha de Paul Krugman, Douglas Massey ou Thomas Frank talvez gostassem de algo mais assertivo/ofensino («I'm a liberal and that's what I stand for», etc.; ver por exemplo esta argumentação), que afirmasse a identidade democrata/liberal por contraposição à "conspiração conservadora" (expressão que já foi usada por Hilary Clinton), que reconhecesse que os últimos quase 30 anos foram efectivamente marcados por uma "guerra de classe", e que os democratas a perderam por falta de defesas, de estratégia, de táctica, de doutrina, etc. Talvez seja Edwards o que por vezes mais se aproxime desta linha que arrisca cair num certo populismo. Na esquerda americana, os leitores de Krugman, Massey e Frank et al. podem-se identificar com uma linha destas, mais dura (como, num certo sentido, me identifico), mas o perfil destes está, claro, longe do perfil do eleitorado norte-americano.
Para Barak Obama, adoptar estratégia seria suicida. Uma razão chega (entre outras que pudéssemos enumerar) para fugir a sete pés dela: é negro. Se Obama fizesse uso dela, não só partia a nação ao meio entre blue states e red states; desfazia também as suas potenciais constituencies em migalhas, porque uma estratégia assertiva/agressiva seria imediatamente associada ao ressentimento negro; não a class war, mas uma race war. Quando mais não seja pela sua cor de pele, Obama será obrigado a parecer o mais reconcialiador dos candidatos democratas («We are not a group of blue states and red states; we are the United States of America»).
Mas ele não se apresenta como um reconcilador mole. Pelo contrário, Obama joga com as armas que tem: a afirmação da mudança pela coragem e pela esperança. 'Mudança' significa aqui, antes de mais, acabar com a forma de fazer política que identifica como contraproducente, baseada no insulto fácil e na caricatura ideológica que muitos afirmam ser um dos problemas sérios na discussão e na decisão política nos EUA. Obama sabe perfeitamente que parte do eleitorado está francamente descontente com a política, e que a espiral do cinismo de muitos eleitores só favorece os Republicanos.
Claro: há a 'mudança' numa série de áreas de policy que são centrais para o eleitorado democrata e para as classes médias e trabalhadoras (saúde, emprego/salários, imigração, etc.); mas é grande a dificuldade em percebermos, nesta altura, diferenças sérias entre os programas de Obama e Clinton (provavelmente elas não existem, e talvez não venham sequer a existir, mas isso fica lá mais para a frente). Obama sabe que é pelo estilo, pelo discurso, e pelo uso do carisma - e ele sabe que o tem, e que o que diz e como o diz pode ser tremendamente inspirational - que pode ganhar pontos a Clinton. Hilary é alguém que pode invocar experiência e competência, mas não pode invocar vontade ou sentido de 'mudança'; ela nunca deixará de ser a candidata do establishment. Essa é uma marca conservadora - no sentido mais neutro da palavra - que sempre jogará contra ela - e a favor de Obama.
Dirão que é pouco. Mas quando as coisas estão too close to call, esse 'pouco' pode ser gigante: é o je ne sais quoi que arrasta as multidões. JFK, obviamente, tinha-o.

Ainda a esquerda socialista francesa II

Vale a pena ler a entrevista no 'Le Point' de Fadele Amara, Secretária de Estado para a Política da Cidade no governo de François Fillon que Sarkozy, na sua estratégia de 'abertura', foi recrutar à esquerda - em particular as suas considerações sobre o Partido Socialista Francês.

Excertos:

«Le Point : Etes-vous toujours socialiste ?
Fadela Amara : Oui, mais je ne suis plus adhérente parce que le PS me désespère. Je respecte les militants, je connais la force de leurs convictions et de leur engagement. En revanche, la direction du PS a abandonné ses combats. C'est le parti des bien planqués, ceux qui pensent qu'habiter le 16e, c'est habiter la France. Cette direction s'est éloignée des classes populaires, des ouvriers, des immigrés, des femmes. Elle ne s'intéresse plus aux gens comme moi, mais seulement aux bobos. Elle n'est plus dans le progrès social, elle n'est que dans la gestion de carrière des uns et des autres.

[...]
Que faut-il au PS pour repartir de l'avant ?
Un tsunami ! Le PS doit ébranler ses fondations pour construire un parti progressiste. Cela passe par une révolution idéologique. D'abord, selon moi, le PS doit trancher clairement entre la social-démocratie et la gauche de la gauche. Quand il aura affirmé son identité, il pourra reconstruire une nouvelle force avec la justice sociale pour trame. Les socialistes doivent aussi accepter sans ambiguïté l'économie de marché, tout en disant que le politique peut réguler l'économie, contrairement à ce que pensait Jospin. Je souhaite qu'il y ait une opposition forte dans mon pays.»


Mais interessante ainda é como termina a entrevista, quando lhe perguntam o que fará nas próximas eleições:

Vous ne voterez donc pas Sarkozy ?
Non, et il le sait !

«É a energia, estúpido»

O artigo do biogeógrafo Jared Diamond - autor de excelentes e apaixonantes livros como "Guns, Germs, And Steel" e "Collapse" (já traduzidos para português) - no 'New York Times' de 2 de Janeiro, intitulado "What’s Your Consumption Factor?", é muito interessante e, para além da questão que o João Caetano já sublinhou (relativa ao putatitvo impacto sobre o planeta da democratização do acesso a todos os habitantes do globo das práticas de consumo típicas dos países ricos), há uma outra que merece destaque. A dada altura, o autor escreve:

«Real sacrifice wouldn’t be required, however, because living standards are not tightly coupled to consumption rates. Much American consumption is wasteful and contributes little or nothing to quality of life. For example, per capita oil consumption in Western Europe is about half of ours, yet Western Europe’s standard of living is higher by any reasonable criterion, including life expectancy, health, infant mortality, access to medical care, financial security after retirement, vacation time, quality of public schools and support for the arts. Ask yourself whether Americans’ wasteful use of gasoline contributes positively to any of those measures.»

Esta nota fez-me lembrar uma questão que é muito importante na comparação entre os EUA e a Europa, e que muitas vezes é esquecida. Não é referente à "qualidade de vida" - algo sempre slippery de avaliar, mesmo sendo francamente central -, ou seja à dimensão do consumo, mas
à da produção, onde tantas vezes o modelo "americano" é visto como superior ao "europeu" (e as aspas são necessárias porque estamos a subsmumir práticas e instituições muito complexas e diversas numa só modelo). Fala-se muito da rigidez estrutural (nas suas diversas vertentes: nos salários, leis laborais, etc.) das economias europeias, mas muito pouco do que pode ser considerado - como o faz Paul de Grauwe, de cujo artigo (publicado num excelente site onde se encontram muitos outros artigos de qualidade) retiro o quadro que reproduzo em baixo - como uma rigidez estrutural da economia norte-americana: a baixa produtividade do uso energético quando comparada com a Europa (ou o Japão). Assim:

«The EU and Japan are about 50% more productive in the use of energy than the US. Put differently, the EU and Japan manage to produce about 50% more with one barrel of oil (or its energy equivalent) than the US. This difference by far exceeds the difference in labour productivity between the US and the main European countries.»

Mas há mais um elemento interessante. É que por muito que se vanglorie as vantagens do uso massivo dos mercados na alocação de recursos na economia norte-americana (que supostamente devem determinar de forma transparente o custo de um bem em função da sua escassez), «[t]he reason why the US appears to be so much less productive in its use of scarce energy is well-known. Energy is not priced correctly in the US, i.e. energy’s price does not sufficiently reflect the environmental costs of its use. Using tax policies, European countries have been more successful in pricing energy in a way that comes closer to reflecting environmental costs. In a sense, one can say that there are structural rigidities in the US preventing prices from reflecting the true scarcity of energy».

Não admira que a política energética seja central nesta campanha, e aqui os democratas parecem-me estar consistentemente à frente dos republicanos.

Ainda a esquerda socialista francesa


Antes que as eleições americanas de 2008 façam esquecer o ano eleitoral e o combate partidário francês de 2007, vale a pena deixar a referência de um livro que parece ir de encontro a muito do que fui escrevendo sobre a esquerda francesa aqui e n'A Vez do Peão nos últimos meses, e em particular sobre o Partido Socialista Francês: Rénover le Parti socialiste, un défi impossible?, de Laurent Baumel (Paris, Ed. L'Encyclopédie du socialisme. 125 p.). Ver esta recensão no 'Le Monde'.

Obama, água tónica e insónias

No computador aqui do lado, o João vai descrevendo a evolução dos votos nos caucuses. Quando Obama ganha a votação democrata, ele torce o nariz - Edwards era o seu favorito. Eu bebo mais uma água tónica num discreto festejo. Seguir o caucus de Iowa em directo pela CNN faz sede. E insónias.
Vai ser um ano nisto. Há coisas fantásticas, não há?

Thursday, January 3, 2008

Porque é absolutamente natural que os (super-)ricos não se preocupem com a desigualdade II

Agora com outro gráfico a partir dos mesmos dados de 1979-2005, este mais expressivo, retirado daqui:

The National II

Depois de uma comparação parcialmente injusta com os Arcade Fire - agora dou-te razão, Mariana -, os "The National" tornaram-se com todo o mérito a banda sonora desta passagem de ano. Aqui, 'Mistaken for Strangers' do mais recente "The Boxer". Para uma contínua «uninnocent, elegant fall into the unmagnificent lives of adults».

Porque é absolutamente natural que os (super-)ricos não se preocupem com a desigualdade

O motivo é, claro, simples: eles beneficiam enormemente das políticas que a fomentam.
As tendências são conhecidas mas não fica mal relembrá-las de forma mais ou menos incessante, agora que estamos em ano de eleições. Há menos de um mês, o Congressional Budget Office actualizou os dados relativo aos rendimentos familiares dos norte-americanos.
O primeiro quadro mostra a diferença existente na distribuição de rendimentos entre 1979 e 2005, e o segundo o que se passou entre o fim do primeiro mandato de G.W.Bush e o início do segundo (2003-2005). Os quadros foram retirados desta nota de Jared Bernstein, do Economic Policy Institute, que afirma que o aumento «was greater from 2003 to 2005 than over any other two-year period covered by the CBO data». Ou seja, o processo de aumento das desigualdades está longe de estar em desaceleração (depois de Clinton o ter conseguido estagnar): muito pelo contrário.
Não há argumento relativo à especialização tecnológica ou ao aumento do retorno da educação -que terão sem dúvida existido - que explique a totalidade desta evolução (estes são as justificações tradicionalmente invocadas). Foram as regras do capitalismo norte-americano que mudaram, e quem as mudou fê-lo deliberadamente para produzir uma redistribuição dos mais pobres e das classes médias para os mais ricos, que aproveitaram para ficar ainda mais ricos, e com isso viciar ainda mais as regras do jogo, isto é, as regras que decidem quem está em melhor posição para ganhar a corrida nos mais diferentes mercados. Mas é muito difícil aceitar esta ideia - que os mercados são arenas, ou seja, instituições com regras próprias e que podem ser viciados na sua construção, seja pelos actores privados em competição (as mais das vezes desigual), seja pela sua influência sobre organismos públicos que os devem definir e regular - quando se pensa a sociedade em termos estritamente individualistas, comportamentalistas e/ou moralistas. Quando um mercado está viciado para garantir que ganhem sempre os mesmos indivíduos e empresas, o seu funcionamento corrói a democracia e a política, e contribui para a reprodução de uma oligarquia. É absolutamente necessário que os mercados, essenciais numa sociedade livre, funcionem de uma forma democrática, isto é: que os seus vencedores não estejam definidos à partida; que os perdedores tenham sempre novas oportunidades ao longo da vida; e que aos que são sistematicamente perdedores sejam facultadas as condições que garantam a sua dignidade de seres humanos, primeiro, e cidadãos de uma mesma comunidade política, depois.

Tuesday, January 1, 2008

«Yo creo que la izquierda ni puede ni debe girar al centro, sino avanzar. Nosotros no debemos girar al centro»

Vale a pena ler a entrevista que o coordenador do programa eleitoral do PSOE, Jesús Caldera, Ministro do Trabalho de Zapatero, deu ao "El País" de 31 de Dezembro. As eleições são já em Março e o PSOE está com uma confortável vantagem nas sondagens, mas não é garatida a reeleição com maioria absoluta.