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Monday, December 17, 2007

Publicidade enganosa

António Casimiro Ferreira publicou no 'Le Monde Diplomatique' deste mês um artigo que está também on-line aqui, intitulado a 'Verdade da Mentira'. Infelizmente, chego ao fim do artigo, e sinto-me enganado, porque afinal de contas tudo o que propõe é algo que eu, que não acho a flexigurança seja uma mentira - mas antes um avanço global na regulação europeia do emprego nos tempos que correm, com os constragimentos existentes (e são vários) -, não posso discordar. Nem eu nem ninguém de matriz social-democrata a nível europeu. Assim:

«Sugestões? Aqui ficam algumas: o incremento da dimensão local das relações laborais, descentralizando e territorializando o diálogo social, a promoção activa de pactos de confiança criados na base de uma legitimidade renovada por parte de sindicatos e associações patronais, o reforço da formação e qualificação de trabalhadores e de empregadores, a transformação da economia informal e trabalho não declarado em emprego estruturado, a intervenção preventiva do Estado na negociação colectiva sem pôr em causa os parceiros sociais e, por fim, o mais fácil ou mais difícil, dependendo do ponto de vista, a aplicação do quadro legal vigente com algumas alterações cirúrgicas, mas onde a efectividade das normas seja real, explorando responsavelmente as possibilidades consagradas de flexibilidade e segurança já previstas.»

Deixo quatro notas só.
Primeira nota: o autor não propõe o reforço do Código do Trabalho na linha de dificultar os despedimentos (ou manter as protecções mais restritivas existentes nessa área). Nem parece argumentar por aí, ao contrário de muitos à esquerda. Ainda bem, digo eu. Mas então eu pergunto: a flexigurança é uma mentira porquê?
Segunda nota, mais geral, e talvez mais curiosa: a maior parte das sugestões, para não dizer todas, inscrevem-se e estão previstas numa lógica ampla da flexigurança. A flexigurança não pretende destruir a dimensão local das relações laborais (a sua aplicação será sempre flexível); privilegiará, sempre que possível, a produção de pactos sociais entre capital e trabalho com o objectivo de contínua formação dos trabalhadores como prioridade; lutará sempre contra a economia informal, que, caso muitos se esqueçam, é alimentada e reproduzida por leis laborais que reduzem a fluidez do mercado de trabalho, etc.
Terceira nota: o sindicalismo devia ver este contexto como uma oportunidade para fazer um trabalho de internacionalização/europeização sério e de luta contra as barreiras que criam desigualdades entre trabalhadores. Uma política europeia de inflação baixa, gostemos dela ou não, tem a virtude de obrigar os sindicatos a pensar nos efeitos colaterais das suas reivindicações salariais (tanto nas desigualdades entre trabalhadores como no desemprego). Introduz, por isso, uma disciplina que é mãe da inteligência e da estratégia num sector tantas vezes dominado pela ideologia preguiçosa. Por incrível que pareça, a verdade é que uma política restritiva do Banco Central Europeu pode ter o condão de pressionar os sindicatos a coordenarem as suas políticas a nível transnacional, ajudando a resolver um problema - que é hoje bem real - de acção colectiva.
Quarta nota: O princípio essencial da flexigurança diz que os trabalhadores são mais importantes que os empregos, e o que é fundamental é proteger os primeiros - com robustos esquemas de income substitution e de formação profissional -, mesmo quando os segundos tenham que "ir". Isto parece-me um avanço conceptual e, se forem encontrados os dispositivos de protecção e investimento social correspondentes, político muito importante.

Lutar a favor de modelos laborais e industriais anacrónicos sem ter em conta as suas consequências numa economia internacionalizada - e, sobretudo, com mercados financeiros globalizados -, é um beco sem saída. Mais valia que todos contribuíssemos para este debate, ainda em aberto em várias dimensões (em vez simplesmente de dizer "não"). Felizmente, António Casimiro Ferreira, talvez à revelia do que pretendia, fê-lo.

Monday, November 19, 2007

Blue Monday

Os números de INE hoje publicitados pelo Diário Económico não são nada encorajadores, onde se lê que, de 2005 para cá, «houve uma destruição de 167 mil postos de trabalho com maiores qualificações – dirigentes e quadros superiores, profissionais intelectuais e científicos e técnicos de nível intermédio. Segundo o INE, eram 1,372 milhões de trabalhadores no primeiro trimestre de 2005, mas recuaram para 1,205 milhões no terceiro trimestre deste ano. Uma quebra de 12%, que fez diminuir este tipo de empregos de 27% para 23% do total».

Para quem pretende entrar de vez numa economia pós-industrial assente na inovação tecnológica e organizacional, e no uso intensivo de recursos humanos qualificados, este não é melhor caminho. Vivemos provavelmente os resquícios de uma época em que emprego qualificado estava excessivamente dependente da mão protectora do Estado, que, por questões orçamentais, não pode continuar a agir como no passado. A mudança deste padrão leva tempo, e depende de um ajuste particularmente complicado entre oferta e procura de emprego qualificado – sabendo-se que o investimento do sector privado em áreas onde a inovação tecnológica e/ou organizacional responde a níveis de exigência e requer níveis de enlightenment por parte dos investidores e/ou empregadores que são tudo menos naturais. É que é muito mais difícil montar uma empresa de biomateriais do que um café. A formação em gestão e o apoio do Estado através de programas especiais como objectivo de limitar os poderosos efeitos da incerteza de investimento nestas áreas são essenciais, mas os resultados são aqui tudo menos imediatos.

É importante também saber separar os fenómenos de conjuntura dos mais estruturais. Por exemplo, nos primeiros, se o desemprego entre licenciados subiu, é importante saber há quanto tempo estas pessoas estão desempregadas. Estar no desemprego ao fim de uns meses quando se procura o primeiro emprego é relativamente comum; e convém não menosprezar o efeito Bolonha, que fez com que mais pessoas completassem num curto espaço de tempo os seus cursos mais depressa do que seria previsível no início. No que toca aos segundos, é importante saber em que áreas é que o desemprego (ou a dificuldade de encontrar um primeiro emprego) é mais forte. É bem possível que o país não precise, nem vá precisar no futuro, de tantas pessoas formada em humanidades ou nas áreas eminentemente ligadas ao ensino; o upgrade tecno-económico requer indivíduos com qualificações na área das engenharias e das ciências. Falar de licenciados em abstracto só obscurece o fulcro do problema.

Friday, July 6, 2007

Não matem o bebé...

Carvalho da Silva acusa debate sobre flexigurança de estar enviesado.

Resta saber quem o enviesou ou tem mais interesse em enviesá-lo. Sob pena de se fazerem comparações directas e frágeis com a Dinamarca, está-se a retirar a virtualidade à flexisegurança, que deve ser concebido como um modelo de relações laborais de geometria relativamente variável, e não como uma solução mágica e de tamanho único.

A discussão em torno deste modelo deve continuar, de forma serena, e sem a intenção deliberada de assustar as pessoas, que por vezes parece ser o primeiro objectivo sindical.

Convém não esquecer uma coisa para os próximos anos: se o mercado de trabalho português não sofrer algum tipo de flexibilização, não vejo como a economia terá capacidade para (e os agentes económicos interesse em) gerar emprego, de forma a absorver as pessoas cujo emprego nenhum código laboral, nem o mais seguro do mundo, vão muito provavelmente ser perdido, devido à competição internacional. Costumo dizer que aqui não vale mesmo nada a pena ser "fetichista da lei", e pensar que ela resolve tudo; não só não resolve (há tantas formas de a evitar: não criar emprego; comprar uma máquina em vez de contratar um trabalhador; sub-contratar o trabalhador com esquemas hiperflexíveis; alimentar o mercado negro, onde nenhuma lei conta, tirando, claro, a "lei do mais forte", etc.) como por vezes pode jogar contra as pessoas - a começar pelos desempregados. No sindicalismo costuma-se dizer que é uma estupidez "colocar trabalhadores contra trabalhadores", mesmo que um destes grupo reúna trabalhadores no desemprego (que querem o que só os primeiros têm e que é limitado: emprego); no plano teórico eu até concordo, mas sou sensível à miopia ideológica a que isto pode levar: é que não se trata de, no discurso, supostamente maquivélico, colocar trabalhadores contra trabalhadores; trata-se de reconhecer que, na realidade do mercado laboral, os trade-offs existentes e a que ninguém pode fugir, esta competição existe, e que para a tornarmos mais equitativa e redistribuirmos os riscos, temos que partir da realidade do problema em vez de nos fecharmos em slogans ideológicos. O problema existe, e é o seu reconhecimento que nos deve obrigar a olhar de frente e a procurar a solução mais adqueada a todos, a começar pelos interesses dos mais fracos. Ou seja, a unidade dos trabalhadores deve ser o resultado almejado pela reflexão e pela acção política inteligente e correcta, e não um a priori ideológico que pode, no limite, apenas reproduzir os problemas - os problemas dos mesmos trabalhadores que os sindicatos representam.

Enquanto modelo, a flexisegurança é, implica, obriga também a uma mudança de mentalidades. O essencial no futuro não é proteger os empregos a todo o custo (isso, convém repetir, nenhuma lei conseguirá, e isso nem sequer é desejável em todos os contextos); o essencial é proteger as pessoas, estejam elas empregadas num dado momento ou não. Se não gostarem da palavra "flexisegurança", arranjem outra; mas este princípio é muito importante, demasiado importante para ser denegrido ou esquecido pelos interesses imediatos do sindicalismo, que deve reconhecer a amplitude do problema do desemprego (em particular o de longa duração) e da dificuldade da criação de emprego (ainda por cima num contexto de acelerado desenvolvimento tecnológico, onde compensa muito mais, para algumas tarefas, "contratar" uma máquina) em algumas economias da Europa. E sem capacidade de criação de emprego, muito dificilmente teremos um mecanismo sustentado para evitar o cavar do fosso das desigualdades.

Adenda 1: ler, sobre o mesmo assunto, isto.

Adenda 2: o debate prossegue aqui.

Friday, May 25, 2007

As vitórias (?) dos trabalhadores "europeus"

O caso que o Nuno Teles relata no Ladrões de Bicicletas deixa-me francamente ambivalente. Não vou repetir os pormenores factuais que estão descritos no post do Nuno. O que me incomoda q.b. é o discurso de vitória dos trabalhadores - devidamente sancionado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia - protegidos pelo sindicato sueco contra os trabalhadores letões.

O argumento, claro, é o do "dumping" social: os letões ganham, isto é, cobram menos, substancialmente menos que os suecos. O Nuno acha que isto foi uma vitória do modelo sueco, do qual eu também sou adepto. Talvez o seja. Mas não vejo em lado nenhum preocupação pelo que aconteceu aos trabalhadores letões que perderam o contrato. Serão uma mera "externalidade"?

Pensemos de forma contrafactual por um instante e imaginemos que os letões ganharam o contrato. O que aconteceria aos trabalhadores suecos? Caso não tenham outros contratos em vista, cairiam na rede daquele que é um dos Estados sociais mais - senão o mais, tirando o Luxemburgo - generosos da Europa (ver quadro). Os trabalhadores letões, esses, ganhariam algum dinheiro e experiência. Para a "próxima", talvez os seus salários não fossem tão baixos e o tal "dumping", por parte dos investidores, não fosse tão atractivo, e outras coisas que não o preço da mão-de-obra pesassem mais na decisão (e como sabemos, as variáveis são múltiplas).

Voltemos à realidade: o que vai acontecer depois desta decisão? Os trabalhadores suecos talvez fiquem mais ricos. Os trabalhadores letões, esses, seguramente, não o vão ficar. E vão ficar, se não tiverem alternativas, entregues ao sistema nacional que menos gasta na protecção dos trabalhadores (ver quadro). E para a próxima, vão muito provavelmente ter de concorrer com base em valores mais baixos, agravando o "dumping". Porque não ficaram mais ricos depois desta decisão, maior é o incentivo para que aceitem, no futuro, condições mais adversas e salários mais baixos. Como facilmente se percebe, esta dinâmica arrisca-se a transformar em espiral - fazendo com que a luta contra o "dumping" por parte dos protegidos alimente, precisamente, no momento seguinte, a tentação do "dumping" por parte dos não-protegidos.

O Nuno diz que foram os trabalhadores "europeus" que ganharam. Bom, talvez, se partirmos do princípio que os letões não são europeus. E se partirmos de princípio que há outra saída para os trabalhadores letões enriquecerem que não passe por, provisoriamente, terem que aceitar salários que são bem mais baixos que os dos seus "camaradas" suecos. E se partirmos do princípio que é assim que se luta contra as desigualdades intra-europeias. E se partirmos do princípio que a esquerda deve defender os bem estabelecidos insiders contra os precários outsiders. E assim por diante.

Imaginem que isto se passava entre os trabalhadores suecos e portugueses - com estes no papel de letões. Deveríamos aplaudir a vitória dos trabalhadores suecos, mesmo que isso aumentasse o desemprego em Portugal? Daria certamente mais uma razão para protestar contra o Governo...

Esta "vitória" protege os trabalhadores mais ricos da Europa e mantém lá bem no fundo os mais pobres. Se isto é uma "vitória" da "esquerda europeia", então tem de ser de Pirro. E, depois, um dia, não estranhem que os trabalhadores letões, se lhes perguntarem o significa para eles a "Europa social", eles respondam que é uma enorme hipocrisia.