Tuesday, October 30, 2007

A exigência e a interpretação das estatísticas segundo o "Público"

O "Público" é um jornal muito exigente. Já sabíamos. Muito exigente para consigo e para com os outros. Assim, quando o Ministério da Educação anuncia que «a taxa de insucesso escolar caiu de 32 por cento para 25 por cento, em dois anos» no ensino secundário, o que corresponde ao número mais baixo alguma vez registado em Portugal, o "Público" escreve no título "Insucesso escolar em Portugal baixa sete pontos percentuais mas ainda é de 25 por cento". Ainda! Portanto o que é merece efectivo relevo na notícia nao é o ganho obtido, mas o facto de ainda estarmos atrás dos outros países europeus (que é, como sabemos, uma grande novidade, e é por isso que merece tamanho relevo). Caramba, devia baixado aí para 15% logo, ou valor semelhante. Isso sim, seria uma convergência imediata com as taxas europeias. É o que se chama exigência.

Esta salutar atitude de exigência já havia ficado demonstrada na semana passada, onde - infelizmente não consigo recuperar a notícia no site do "Público" -, em reacção aos resultados de um dos relatórios apresentados na conferência organizada nos passados dias 22 e 23 de Outubro sobre o Plano Nacional de Leitura e que demonstravam que, por comparação com a mesma pergunta que constava num inquérito realizado em 1997, os não-leitores em Portugal (isto é, os que não lêem nenhum tipo de suporte - jornal, revista ou livro), tinham descido de 12% para 5%. O título da notícia (a tal que não consigo encontrar) era qualquer coisa do género: "em 10 anos, os não-leitores apenas desceram 7%".
Bom, se calhar convinha lembrar que ainda existem em Portugal pessoas que não sabem ler. Segundo os dados do INE de 2001, eram 9% os anafabetos no nosso país. Assumindo que algumas destas pessoas, seguramente de idade avançada, podem entretanto ter morrido, teremos de certeza, ainda hoje, mais de 5% da população portuguesa que não sabe ler. Assumamos, por agora, que são 5% - é um número que atiro ao ar, mas é uma estimativa conservadora: o valor bem pode ser superior. Ora, os esforços nos últimos 10 anos dos diferentes governos para levar as pessoas a ler não terão grande efeito sobre aqueles que não sabem ler de todo; se há hoje 5% de anafabetos ainda vivos, e se 5% - de acordo com o mencionado inquérito - são "não-leitores", parece-me simples concluir que é um pouco difícil baixar mais o número de não-leitores; é mesmo impossível que a queda entre 1997 e 2007 seja superior ao "míseros" 7% sublinhados pelo "Público". Provavelmente, foi atingido o tecto da população com capacidades de leitura em Portugal; "só" houve uma queda de 7% porque provavelmente não havia possibilidade de cair mais (fica, naturalmente, em aberto o número de analfabetos em Fevereiro de 2007, altura em que se realizou o inquérito, creio, mas, repito, 5% é um estimativa que muito favorece o "Público" neste caso)!

Mas isto deve ter escapado à exigência e ao rigor do jornal de José Manuel Fernandes. Para ressaltar os nossos endémicos atrasos - por muito que se esteja a trabalhar gradualmente, e com sucesso relativo, para os ultrapassar a médio prazo -, para isso, o jornal está sempre pronto. Se o dono do jornal, Belmiro de Azevedo, ainda tivesse interesses neste constante ataque à escola pública do género a que o "Público" nos habituou, bem como na extensão da rede de oferta privada em progressiva substituição da pública; isto é, se a SONAE tivesse a ambição de se substituir ao Ministério da Educação como maior entidade empregadora de professores, eu até desconfiava de que aqui havia gato. Mas, felizmente, e como acredito pouco em conspirações, devo estar enganado.

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