Friday, February 8, 2008

O que realmente interessa e perigoso paradoxo no campo Democrata

O que interessa mesmo é a comparação entre isto e isto. É verdade que ainda é muito cedo para este tipo de sondagens, e falta muito caminho para percorrer até Novembro, mas as diferenças - relativas, e, no limite, não incontornáveis quando chegar o momento de desenhar e implementar os pacotes legislativos - entre Obama e Clinton é menos importante do que a sua electability na eleição contra o candidato Republicano. Agora que McCain parece afimar-se inequivocamente como o candidato do GOP, a questão é se Clinton consegue, no momento da verdade, garantir mais votos para além das bases do partido, que tanto a têm ajudado a vencer os estados-chave nesta corrida inicial. É sabido que Mccain tem capacidade de atrair o eleitorado moderado e independente. Se o partido Republicano conseguir garantir que os mais conservadores e religiosos - os que entretanto têm votado Romney e Huckabee - acabem por apoiar McCain, então parece-me que Clinton fica numa posição difícil, porque McCain tenderá a ser mais popular entre os que nao votam naqueles que votam no Partido Democrata por convicção.
Convém não esquecer que as eleições não se ganham pregando para os convertidos; que Clinton garanta os "seus" votos não é mais-valia nenhuma. Aliás, se Clinton for a candidata Democrata, parece claro que mais facilmente o eleitorado conservador se unirá em torno de McCain - mesmo que dele desconfie e discorde numa série de posições que fazem dele um 'quase-liberal' ao lado de Romney ou Huckabee - numa frente anti-Clinton. Uma candudatura Clinton, neste sentido, podia ser a melhor notícia para McCain (que, para mais, passaria a campanha a acusá-la de vira-casacas no que toca à sua posição perante a guerra do Iraque).
Por outras palavras, as fragilidades de Obama junto do eleitorado democrata tradicional podem ser as suas forças num duelo que se decidirá ao centro, entre moderados e independentes, e entre swing voters e swing states. Os considerados swing states são um pouco menos de 20 (ver figura 1 - agradeço à Mariana ter-ma passado), e é aqui que as baterias das campanhas vão naturalmente concentrar-se. Sim, Clinton ganhou em Nova Iorque e California na passada terça-feira - mas estes são estados tradicionalmente democratas. Obama, como candidato forte que também seria, teria toda a hipótese de os ganhar contra um candidato republicano. O que interessa saber é que como seria a sua performance em estados como o Missouri, onde Obama também venceu Clinton.

Quantos são os swing voters? Depende de como os definirmos. Mas se os virmos da forma mais simples - e a partir do trabalho de William Mayer, a que já fiz referência aqui - como votantes que podem acabar por votar num qualquer partido, cuja decisão só se define bastante próximo do acto de voto e que acham que nenhum candidato é visivelmente superior ao outro, podendo inclinar-se primeiro para um e acabar por votar no outro, então vale a pena olhar para os quadros seguintes. A operacionalização é feita através de uma pergunta - amostras são representativas a nível nacional: estes valores são a média de todas as eleições entre 1972 e 2004) - onde se pede aos votantes para, numa escala de -100 a 100 se identificarem com o candidato Democrata ou Republicano, e depois comparar com o seu voto final: vemos que no intervalo [-15;15] se situam 22,5% dos votantes. O último quadro, ainda retirado do livro do mesmo autor,
calcula a percentagem de swing voters - os tais que estão entre o intervalo definido acima - nas eleições, agora apresentadas uma a uma. Foram apenas 13% em 2004, mas o número baixa
sempre que um presidente segue para reeleição, como aconteceu em 1984 em relação a 1980 (segundo vs. primeiro mandato de Reagan), em 1996 em relação a 1992 (segundo vs. primeiro mandato de Clinton), e em 2004 em relação a 2000 (segundo vs. primeiro mandato de G.W.Bush). Por isso, é previsível que voltam a subir de novo para cima dos 20%: 1 em cada 5 votantes, talvez mesmo 4. São estes os votantes que realmente contam em Novembro.


A prática do Hillary Clinton-hating é lamentável, de facto. Mas é razoavelmente inútil moralizar aqui - a não ser talvez no interior do campo Democrata. A verdade é que o partido pode estar perante o paradoxo de ter Clinton como a melhor candidata para consumo interno - a mais fiel ao eleitorado das bases, ao discurso do Partido e talvez até a certas propostas de policy - e Obama como o melhor candidato para consumo externo - capaz de chamar gente nova para o partido, e que talvez nunca ou dificilmente votaria em Clinton. Talvez não seja impossível chegar a um acordo para os dois juntarem-se num ticket poderoso, mas eu tenho sérias dúvidas da viabilidade desta solução entre os candidatos; por exemplo, quem seria o candidato a presidente e quem se contentaria com o lugar de vice? De qualquer forma, era bom que isto se decidisse depressa, e não é apenas para bem dos nervos de Paul Krugman e de outros (onde me incluo), mas para a própria dignidade da candidatura e, já agora, do nível de civilidade da campanha daqui para a frente. Howard Dean já avisou:
«The narrow margin in delegates, and the growing likelihood that it will remain close, prompted concern on Wednesday from the chairman of the Democratic Party, Howard Dean, who said Tuesday night that Mr. Obama and Mrs. Clinton should avoid taking the nominating fight all the way to the party convention in August. “I think we will have a nominee sometime in the middle of March or April,” Mr. Dean said Wednesday on the NY1 cable news channel, “but if we don’t, then we’re going to have to get the candidates together and make some kind of an arrangement. Because I don’t think we can afford to have a brokered convention; that would not be good news for either party.”»

Amanhã há mais. Entretanto, para quem é insuspeito de simpatia pela política-espectáculo, isto é magistral.

2 comments:

CLeone said...

esta's muito longe. nem mccain agrega o GOP, apesar de ja' estar praticamente escolhido, nem Obama e' um candidato credivel. O grau de demagogia e vazio da sua retorica e' aflitivo. Se tiver a chance de governar desilude tudo e todos num apice, tais sao as expectitivas voluntaristas que alimenta sem qualquer seriedade. Mas o camp CLinton parece demasiado prossional e isso faz deles maus candidatos. Kissinger's dilemma: bons candidatos dao maus presidentes e vice-versa.
Entretanto, imagino que a desistencia de Romney nao tenha levado o VPV a reconhecer a sua (usual) patetice ao anuncia-lo como proximo presidente, pois nao? Isto esta' muito interessante, mesmo sem que a discussao politica chegue a ser muito interessante.
E por ai, novas de algum think tank?
Abraco

Hugo Mendes said...

Carlos, vamos ver se o McCainn reúne o consenso do GOP ou nao. Vários conservadores bastante à direita - Buchanan, por ex. - já vieram dizer que seria uma patetice fazer campanha contra Mccain e entregar, dessa forma, o poder aos democratas. A base ideológica do GOP pode ser extremista, mas não é estúpida.

Quanto a Obama, eu não disse que ele dava um bom presidente. Disse que ele dava um bom candidato em Novembro, o que e´ substancialmente diferente. De nada vale termos um excelente potencial presidente que não ganha eleições.
Quanto à retórica de Obama, não me parece ser pior que a de Clinton de 1992. Se virmos bem, os slogans eram muito semelhantes. E a retórica política é mesmo assim: num certo sentido, necessariamente "vazia" (a de Hilary é melhor?).
As propostas políticas são outra coisa, e aí - tirando a questão da saúde - nao vejo em que é que os programas se afastem tanto que justifique uma escolha óbvia por Hilary. E quanto comparamos os dois candidatos, convém não esquecer uma coisa: eu, pelo menos, não esqueço que Hilary votou a favor da guerra do Iraque. Isso conta.

abraço