Friday, January 4, 2008
Primeiras impressões
Este é o discurso de Barak Obama ontem depois de saber da sua vitória no Iowa. Tem, parece-me, 3 palavras/significados-chave: 'esperança', 'mudança', 'união'.
Para muitos democratas/liberais pode saber a pouco e parecer sensaborão. Muitos na linha de Paul Krugman, Douglas Massey ou Thomas Frank talvez gostassem de algo mais assertivo/ofensino («I'm a liberal and that's what I stand for», etc.; ver por exemplo esta argumentação), que afirmasse a identidade democrata/liberal por contraposição à "conspiração conservadora" (expressão que já foi usada por Hilary Clinton), que reconhecesse que os últimos quase 30 anos foram efectivamente marcados por uma "guerra de classe", e que os democratas a perderam por falta de defesas, de estratégia, de táctica, de doutrina, etc. Talvez seja Edwards o que por vezes mais se aproxime desta linha que arrisca cair num certo populismo. Na esquerda americana, os leitores de Krugman, Massey e Frank et al. podem-se identificar com uma linha destas, mais dura (como, num certo sentido, me identifico), mas o perfil destes está, claro, longe do perfil do eleitorado norte-americano.
Para Barak Obama, adoptar estratégia seria suicida. Uma razão chega (entre outras que pudéssemos enumerar) para fugir a sete pés dela: é negro. Se Obama fizesse uso dela, não só partia a nação ao meio entre blue states e red states; desfazia também as suas potenciais constituencies em migalhas, porque uma estratégia assertiva/agressiva seria imediatamente associada ao ressentimento negro; não a class war, mas uma race war. Quando mais não seja pela sua cor de pele, Obama será obrigado a parecer o mais reconcialiador dos candidatos democratas («We are not a group of blue states and red states; we are the United States of America»).
Mas ele não se apresenta como um reconcilador mole. Pelo contrário, Obama joga com as armas que tem: a afirmação da mudança pela coragem e pela esperança. 'Mudança' significa aqui, antes de mais, acabar com a forma de fazer política que identifica como contraproducente, baseada no insulto fácil e na caricatura ideológica que muitos afirmam ser um dos problemas sérios na discussão e na decisão política nos EUA. Obama sabe perfeitamente que parte do eleitorado está francamente descontente com a política, e que a espiral do cinismo de muitos eleitores só favorece os Republicanos.
Claro: há a 'mudança' numa série de áreas de policy que são centrais para o eleitorado democrata e para as classes médias e trabalhadoras (saúde, emprego/salários, imigração, etc.); mas é grande a dificuldade em percebermos, nesta altura, diferenças sérias entre os programas de Obama e Clinton (provavelmente elas não existem, e talvez não venham sequer a existir, mas isso fica lá mais para a frente). Obama sabe que é pelo estilo, pelo discurso, e pelo uso do carisma - e ele sabe que o tem, e que o que diz e como o diz pode ser tremendamente inspirational - que pode ganhar pontos a Clinton. Hilary é alguém que pode invocar experiência e competência, mas não pode invocar vontade ou sentido de 'mudança'; ela nunca deixará de ser a candidata do establishment. Essa é uma marca conservadora - no sentido mais neutro da palavra - que sempre jogará contra ela - e a favor de Obama.
Dirão que é pouco. Mas quando as coisas estão too close to call, esse 'pouco' pode ser gigante: é o je ne sais quoi que arrasta as multidões. JFK, obviamente, tinha-o.
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