Monday, July 2, 2007

Notas sobre o debate do "Le Monde Diplomatique" e outras reflexões (II)

1. Um dos elementos que veio a debate a certo ponto foi a questão das prioridades: o que interessa estudar e sobre o que interessa intervir. Algumas vozes na audiência alinharam pela posição de que, por exemplo no sector da educação, todas as questões são importantes: as desigualdades no ensino básico, secundário, superior; a questão da transição do ensino superior para o mercado de trabalho, etc. Num certo sentido, não posso discordar; sobretudo quando falamos de um programa académico em torno, por exemplo, das questões da sociologia e da economia da educação, vários objectos merecem atenção simétrica.
No entanto, quando se passa à intervenção política a questão não é assim tão simples (e ela não é assim tão simples na dimensão da investigação, mas deixo isso por agora de lado). Aintervenção política é obrigada a definir prioridades, sob pena de gastar mal os seus recursos, que são por definição finitos: recursos financeiros, humanos, temporais, de credibilidade política, etc. Mesmo que se identifiquem n problemas, não podemos "ir" a todos ao mesmo tempo, com a mesma energia, sob pena de não resolvermos nenhum. Por isso é absolutamente indispensável definir prioridades, dizer "X é importante, sim, mas não tão importante como Y, que precisamos de resolver agora, sob pena de qualquer acção presente ou futura sob X ser infrutífera". Ora, isto, à esquerda, parece ser difícil, porque implica estabelecer uma hierarquia de preocupações. Mas, desculpem este tipo de argumento, só quem está de fora e não tem de gerir os múltiplos recursos acima mencionados - escassos, repito, e por vezes alguns muito escassos mesmo - é que se pode dar ao luxo de dizer que "tudo é importante".
Mas não pode ser: hoje, a prioridade na educação em Portugal é elevar a qualidade no ensino básico, a começar no 1ºciclo, porque é aqui que se começam a construir os alicerces das aprendizagens futuras. Melhor: este alicerces devem começar mais cedo, entre os 0 e os 3 anos, e entre os 3 e os 6 anos. Aqui, ainda há muito por fazer em Portugal.

2. Outro argumento que emergiu a dada altura tocou a questão do TGV, problematizando o dito "modelo de desenvolvimento" do país. Aparentemente, à esquerda este parece uma estratégia antiquada, destinada a manter-nos presos a uma trajectória económica nas baixas qualificações. Devo confessar que este é daquele tipo de críticas que à esquerda me causa profunda confusão (já percebo que a direita se insurja conta o despesismo estatal e esse tipo de coisas); todos critica a (suposta) morte do keynesianismo e da intervenção redistributiva do Estado na economia. Bom, mas o TGV, a Ota e tudo o mais que quiserem meter no saco das obras públicas é o ABC do keynesianismo. O efeito multiplicador de uma obra desta envergadura vai permitir não apenas construir novas vias de ligação intra- e internacionais, mas vai permitir dar emprego a muitas pessoas que dependem deste tipo de actividade pelo país fora, e isto não se cinge, naturalmente, ao trabalho não-qualificado. Quando me dizem "ah, mas isso vai só alimentar o trabalho não-qualificado?", o que me apetece perguntar é: "pronto, então preferem que essas pessoas fiquem todas no desemprego?!". Claro que do ponto de vista do "quanto melhor, pior", isto seria óptimo: o desemprego dispararia ainda mais, e o descontentamento popular também. Os extremos populistas agradeceriam.
Para além do mais, dizer que uma obra desta envergadura colide com o upgrade tecnológico e empresarial da nossa economia não tem razão de ser. Todos os países de Europa muito mais bem armados em infra-estruturas do que Portugal investem recorrentemente em obras deste tipo; podemos discordar de uma opção ou outra, mas isto mostra que nenhum país, mesmo se a sua economia é alimentada pela inovação tecnológica, dispensa constantes investimentos infra-estruturais. E, já agora, convém não esquecer que no orçamento 2007, o único ministério que viu a sua fatia aumentar foi o da Ciência e Tecnologia e do Ensino Superior, e na ordem dos 60%. Se isto não é uma afirmação de uma prioridade política, então não sei o que é.
O fundamental, no futuro, é reduzir a percentagem nacional de trabalhadores que só pode ser empregue em actividades intensivas em mão-de-obra. Isto é absolutamente essencial, para que essas pessoas possam encontrar emprego em actividades menos violentas do ponto de vista físico e mais enriquecedoras do ponto de vista profissional e humano. Para isso, é preciso formar e qualificar, mas isto não chega.

3. A pergunta mais importante que me foi colocada versou sobre o papel da educação na política económica: será que a educação vai resolver todos os problemas futuros, de forma que podemos esquecer as outras alavancas de intervenção económica? Não. Pelo menos, eu não concordo nada com esta estratégia, expressa, por exemplo, no manifesto de 1997 do New Labour - que lhe permitiu ganhar ao fim de 18 anos de governo dos Conservadores -, onde se lê que “education as the best policy as we have”. À esquerda é legítima a dúvida de que isto pode ser uma armadilha. O meu próximo post andará à volta desta questão, mas deixo uma nota: quem ouviu na sexta-feira anterior a esta última, numa sessão aberta ao público, as intervenções de Anthony Giddens (um dos ideólogos da "terceira via" blairista que passou, como se recordarão, por Lisboa) e do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, sobre a globalização, o trabalho e a social-democracia, terá ficado a perceber a diferença entre diferentes estratégias social-democratas num mundo em globalização.

3 comments:

José Carrancudo said...

Concordamos com a prioridade ser a escola primária, ou então o primeiro ciclo, que não consegue ensinar a ler e a contar. A nosso ver, a questão principal é de como devemos ensinar, ou seja, os assuntos pedagógicos. Aqui demos as explicações ao M.E.

João Vasco said...

«Outro argumento que emergiu a dada altura tocou a questão do TGV, problematizando o dito "modelo de desenvolvimento" do país. Aparentemente, à esquerda este parece uma estratégia antiquada, destinada a manter-nos presos a uma trajectória económica nas baixas qualificações. Devo confessar que este é daquele tipo de críticas que à esquerda me causa profunda confusão (já percebo que a direita se insurja conta o despesismo estatal e esse tipo de coisas); todos critica a (suposta) morte do keynesianismo e da intervenção redistributiva do Estado na economia. Bom, mas o TGV, a Ota e tudo o mais que quiserem meter no saco das obras públicas é o ABC do keynesianismo.»

Hum... Há muitas formas diferentes de ser Kenesiano, umas mais eficientes e outras menos.

Se decidíssemos juntar cimento para fazer pirâmides nos ciclos de de recessão, a prazo as coisas ficariam bem piores. E existem outras formas de de investir nos ciclos de recessão sem ser nas obras públicas.

Parece-me que a estratégia Keynesiana por si nunca poderá justificar esta ou aquela obra pública, e uma crítica de esquerda a essas obras continua a fazer sentido, porque a esquerda poderia considerar que falta investimento noutras áreas, o qual poderia ser reforçado nos períodos de recessão, gerando também um efeito multiplicador.


Posto isto, acho que o TGV se justifica até Lisboa. Mas como o Norte se iria sentir muito descriminado, optaram por decidir as restantes ligações. Estou convecido que foram motivos eleitorais, e não o interesse nacional, que esteve na base da decisão de construir a ligação de alta velocidade entre Lisboa e o Porto, quando se sabe que com custos muito inferiores (cerca de um quinto dos custos) se poderia adaptar a linha para que os Alfas pedulares fizessem a viagem em apenas mais meia hora. E nem há motivos industriais que o justifiquem, visto que as linhas serão apenas de passageiros.

Quanto ao aeroporto da OTA, tenho acompanhado com interesse o debate, e estou cada vez mais convencido que a hipótese Portela + 1 seria a mais vantajosa.

Não sou um técnico, mas sou um eleitor e terei de me pronunciar sobre as opções do governo nos próximos actos eleitorais. A atitude do governo neste debate da OTA vai contar em seu desfavor na minha opinião: houve pouca clareza, alguma perceptível vontade de fugir ao debate, com "promessas pessoais" e argumentos infantis ao barulho. Os argumentos avançados contra a hipótese Portela+1 carecem de fundamentação técnica que convença grande parte dos engenheiros dessa área fora da dependência do governo que se pronunciaram publicamente sobre o assunto, ou que mo disseram em privado.

Portanto, não creio que essas linhas em particular da política de obras públicas do governo possam ser defendidas enquanto sendo de "esquerda" ou de "direita". E Tendo a discordar, pelo menos enquanto não tiver acesso a novas informações/argumentos que me façam mudar de opinião.

Hugo Mendes said...

De acordo, não estou a dizer que o investimento se justifica a si mesmo, nem sequer que a realização desta obra é o mais eficiente uso dos dinheiros públicos. O meu argumento era em resposta às duvidas concretas em questão.

Agora, sou franco, não sei qual é a melhor localização para o futuro aeroporto. Não acompanhei o debate e por isso não gosto de falar do que não sei. E percebo que as pessoas, enquanto eleitores, tenham dúvidas legítimas.

Mas enquanto eleitor e residente na cidade de Lisboa, não me parece que faça sentido a solução Portela +1, mesmo que seja tecnicamente possível ou tão legítima quanto outras. Ter dezenas ou centenas de aviões por dia a sobrevoar o coração da cidade não me parece particularmente seguro.