Saturday, May 26, 2007

Mensagens numa garrafa (II)

POST FESTUM

A dor pela deterioração dos relacionamentos amorosos não é apenas, como se supõe, o medo da retirada do amor, nem o tipo de melancolia narcísica descrita por Freud com tanta perspicácia. Nela está também envolvido o medo de que o sentimento do próprio sujeito seja transitório. Tão pouca é a margem que resta para os impulsos espontâneos, que qualquer um a quem eles ainda sejam concedidos vivencia-os como uma alegria e uma dádiva, mesmo quando eles causam dor, e chega a experimentar os derradeiros vestígios aflitivos da intuição como um bem a ser ferozmente defendido, para que o próprio sujeito não se transforme noutra coisa. O medo de amar o outro é, sem dúvida, maior que o de perder o amor desse outro. A ideia - que nos oferecem como um consolo - de que, dentro de alguns anos, não entenderemos a nossa paixão e seremos capazes de deparar com a mulher amada, acompanhada, sem experimentar nada além de uma curiosidade surpresa e passageira, consegue ser sumamente exasperante para aquele a quem é apresentada. É o cúmulo da blasfémia a ideia de que a paixão, que rompe o contexto da utilidade racional e parece ajudar o eu a escapar da sua prisão monádica, seja uma coisa relativa, capaz de ser reajustada à vida individual através da ignominiosa razão. No entanto, inescapavelmente, a própria paixão, ao vivenciar o limite inalienável entre duas pessoas, é forçada a reflectir exactamente sobre esse impulso, e com isso, no acto de ser dominada por ele, a reconhecer a futilidade da sua dominação. Na verdade, sempre se soube da inutilidade; a felicidade estava na ideia absurda de ser arrebatado, e cada uma das vezes em que isso deu errado foi a última, foi a morte. A transitoriedade daquilo em que a vida mais se concentra irrompe justamente nessa concentração extrema. E ainda por cima, o amante infeliz tem que admitir que, exactamente onde julgava estar esquecendo de si, amava apenas a si mesmo. Nenhuma dose de franqueza permite sair do círculo culpado do natural; isso só se consegue com a reflexão sobre quão fechado ele é.

Theodor W.Adorno

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