(não conhecia - nem o autor; pelos próximos dias vou investigar :))
tenho algumas dúvidas relacionadas com o post anterior mas tenho muito pouco tempo e demasiadas dúvidas
em cima do joelho:
num modelo abstracto em que existem dez agentes económicos, se cinco não tiverem capacidade nenhuma para colocar no mercado o que quer que seja que seja suceptível de satisfazer as necessidades dos outros, os cinco "capazes" têm que "desperdiçar recursos para manter a sobrevivência dos cinco "incapazes" em níveis de dignidade
esses recursos, se não existisse esse tipo de preocupações, seriam maximizados em empreendimentos produtivos e provocariam um maior crescimento económico do que em "despesas sociais não produtivas" como as que referi, associadas à sobrevivência com dignidade dos cinco "incapazes"
uma sociedade me que esses cinco fossem eliminados e em que só existissem elementos "eficazes" teria um muito maior potencial de crescimento económico (parece-me)
estou a fazer de advogado do diabo em sentido figurativo e em sentido substancial (conheces-me e sabes que defendo intransigentemente políticas redistributivas radicais)
mas, colocando a ênfase, como colocas, em critérios eficientistas e não em critérios morais, gostaria de ver uma argumentação em sentido contrário à que desenvolvi
Hmmmm, vou tentar algumas hipóteses, que não são mutuamente exclusivas. Começo por aqueles que chamarás critérios eficientistas (que eu não separaria por completo dos morais, mas tudo bem)
1. Tornas esses 5 membros o mais produtivos possível (educação, formação, etc., desenvolvimento do capital humano em sentido geral). Dirás que não é desperdício mas investimento, e olhas para a história procurando exemplos a favor (não faltam). Este é o argumento progressista.
2. Tens em conta a eventual utilidade não-mercantil mas passível de influenciar a performance mercantil dos 5 capazes (num exemplo machista mas real: a mulher que não tem skills para entrar no mercado de trabalho mas ao passar as camisas ao marido e ao fazer-lhe as refeições permite-lhe ter tempo livre para trabalhar mais e melhor). No limite, podes procurar elevar a eficiencia da divisão do trabalho: os 5 capazes produzirão mais quanto mais "camisas passaram" os 5 incapazes. Assim os incapazes mostram a sua utilidade. Este é um perigosa ou potencialmente argumento conservador.
Assim de repente, são estes os dois argumentos eficientistas que me lembro agora. Mas não acredito que sejam suficientes. Qualquer política redistributiva envolve opções políticas e morais. Para justificar uma política generosa para com os "incapazes" podes:
4. Argumentar que eles não são responsáveis pelo estado seu de incapacidade (por n motivos possiveis) e que portanto é amplamente justificada a sua protecção (mesmo que isso desvie dinheiro que podia ser usado em investimentos produtivos)
5. Argumentar que, por serem seres humanos (aqui tens uma variante mais essencialista, outra mais empírica, à la Teoria dos Sentimentos Morais do Adam Smith e outros do Scottish Enlightenment que falavam do poder da empatia no reconhecimento dos outros), eles não podem, não é admissível que vivem em certas condições, e que temos, os capazes, obrigações dos os ajudar. Eu não sei se aqui estamos a falar de "justiça" ou da "dignidade" ou ("decência"). Por muito que goste do Ralws, cada vez estou mais convencido que o que é "digno" (ou "decente") tem prioridade, neste nível dos mínimos dos mínimos, sobre o que é "justo" (e muito do que o Rawls diz podia ser perfeitamente reformulado nesta linguagem, em particular a da Avishai Margalit, no seu "The Decent Society", que foi sem dúvida um dos livros mais bonitos que li). Claro, sabemos que o que é "digno"/"decente" é elástico e historicamente manipulável. Mas há mínimos sobre os quais podemos chegar a acordo que protejam os mais fracos.
6. Numa variante mais radical, podes argumentar que, por A ser "capaz" (para usar a tua linguagem, e aqui tinhamos de perceber de onde vinha esta capacidade (inata ou adquirida, se adquirida então em que contextos, etc. etc.)), então tem uma dívida para com os incapazes, do género "Power equals responsability". Eu identifico-me bastante com esta fórmula, mas depois haveria nuances empíricas a discutir.
Et c'est ça, assim em cima do joelho. Depois continuamos, se replicares.
é uma excelente resposta, muito completa e, de momento pouco tenho para replicar
penso que, em última análise, pelo menos em certas circunstâncias, apenas critérios morais permitem justificar políticas redistributivas (mas parece-me que também estás de acordo com isto) e, por outro lado, embora os critérios "eficientistas" tenham uma particular força, pois que se colocam no próprio terreno moral dos críticos das políticas redistributivas, encerram precisamente esse "perigo": o de se movimentarem num terreno moral pantanoso em que a qualquer momento podem deixar de ser válidos
Sim, a estratégia tem de ser jogar nos dois tabuleiros (o empírico e o normativo), de preferência com uma mão a saber o que a outra faz :). E em última instância (para falar no velho jargão marxista), sim, o normativo é o mais importante - mas é também aquele onde é mais complicado chegar a acordo. As discussões filosóficas podem não chegar a grande lado em termos do convencimento da outra parte (partindo do principio que não se pretende apenas pregar aos convertidos :)), sobretudo quando lidamos com posições mais radicais, do estilo aquela que procede a uma "naturalização" e "absolutização" dos direitos de propriedade; a partir daqui há uma necessária bifurcaçao: ou aceitas a assunção ou então não aceitas e a conversa arrica-se a não poder continuar (no passado já era assim com a definição de "exploração" do marxismo: ou aceitas, e compras o pacote restante, ou não e tens que seguir todo um outro caminho). Apesar da incerteza e da contingência do trabalho ciéntífica, a análise teórico-empírica é ao mesmo tempo mais aberta à diversidade do objecto estudado (não precisamos de absolutizar nada, há imensas nuances) e onde é maior a exigência da produção da prova (ela própria difícil de conseguir). E, bom, sobretudo, a análise empírica está mais perto da "policy" - where the action is! - que, afinal de contas, é o que mais me atrai.
'You know, there’s this great story, of Olaf Palme going to see Ronald Reagan in America, and Olaf Palme was the great Swedish social democratic Prime Minister, leading the campaigns against poverty and inequality, and he went to see Ronald Reagan in the White House. Before he saw Ronald Reagan, Reagan turned to his advisors, and he said, ‘Isn’t this man a Communist?’ And Ronald Reagan’s advisors said, 'No, Mr President, he’s an Anti-Communist'. And Ronald Reagan said, 'I don’t care what kind of Communist he is'.But Ronald Reagan asked Olaf Palme, ‘What do you really believe? Do you believe in abolishing the rich?’ And he said, ‘No, I believe in abolishing the poor.’Gordon Brown
"What thoughtful rich people call the problem of poverty, thoughtful poor people call with equal justice a problem of riches".
Richard H. Tawney
«Governments, the economy, schools, everything in society, are not for the benefit of the privileged minorities. We can look after ourselves. It is for the benefit of the ordinary run of people, who are not particularly clever or interesting (unless, of course, we fall in love with one of them), not highly educated, not successful or destined for sucess, in fact, nothing very special. It is for the people who, throughout history, have entered history outside their neighbourhoods as individuals only in the records of their births, marriages and deaths. Any society worth living in is one designed for them, not for the rich, the clever, the exceptional, although any society worth living in must provide for our personal benefit. A world that claims that this is its purpose is not a good world, and ought not to be a lasting one».Eric Hobsbawn
«One task of politics is surely to shape social conditions and institutions so that people behave honestly, because they believe that the basic structure of their society is just»Jon Elster
4 comments:
excelente canção
(não conhecia - nem o autor; pelos próximos dias vou investigar :))
tenho algumas dúvidas relacionadas com o post anterior mas tenho muito pouco tempo e demasiadas dúvidas
em cima do joelho:
num modelo abstracto em que existem dez agentes económicos, se cinco não tiverem capacidade nenhuma para colocar no mercado o que quer que seja que seja suceptível de satisfazer as necessidades dos outros, os cinco "capazes" têm que "desperdiçar recursos para manter a sobrevivência dos cinco "incapazes" em níveis de dignidade
esses recursos, se não existisse esse tipo de preocupações, seriam maximizados em empreendimentos produtivos e provocariam um maior crescimento económico do que em "despesas sociais não produtivas" como as que referi, associadas à sobrevivência com dignidade dos cinco "incapazes"
uma sociedade me que esses cinco fossem eliminados e em que só existissem elementos "eficazes" teria um muito maior potencial de crescimento económico (parece-me)
estou a fazer de advogado do diabo em sentido figurativo e em sentido substancial (conheces-me e sabes que defendo intransigentemente políticas redistributivas radicais)
mas, colocando a ênfase, como colocas, em critérios eficientistas e não em critérios morais, gostaria de ver uma argumentação em sentido contrário à que desenvolvi
abraço
timshel
Olá Timshell,
Hmmmm, vou tentar algumas hipóteses, que não são mutuamente exclusivas. Começo por aqueles que chamarás critérios eficientistas (que eu não separaria por completo dos morais, mas tudo bem)
1. Tornas esses 5 membros o mais produtivos possível (educação, formação, etc., desenvolvimento do capital humano em sentido geral). Dirás que não é desperdício mas investimento, e olhas para a história procurando exemplos a favor (não faltam). Este é o argumento progressista.
2. Tens em conta a eventual utilidade não-mercantil mas passível de influenciar a performance mercantil dos 5 capazes (num exemplo machista mas real: a mulher que não tem skills para entrar no mercado de trabalho mas ao passar as camisas ao marido e ao fazer-lhe as refeições permite-lhe ter tempo livre para trabalhar mais e melhor). No limite, podes procurar elevar a eficiencia da divisão do trabalho: os 5 capazes produzirão mais quanto mais "camisas passaram" os 5 incapazes. Assim os incapazes mostram a sua utilidade. Este é um perigosa ou potencialmente argumento conservador.
Assim de repente, são estes os dois argumentos eficientistas que me lembro agora. Mas não acredito que sejam suficientes. Qualquer política redistributiva envolve opções políticas e morais. Para justificar uma política generosa para com os "incapazes" podes:
4. Argumentar que eles não são responsáveis pelo estado seu de incapacidade (por n motivos possiveis) e que portanto é amplamente justificada a sua protecção (mesmo que isso desvie dinheiro que podia ser usado em investimentos produtivos)
5. Argumentar que, por serem seres humanos (aqui tens uma variante mais essencialista, outra mais empírica, à la Teoria dos Sentimentos Morais do Adam Smith e outros do Scottish Enlightenment que falavam do poder da empatia no reconhecimento dos outros), eles não podem, não é admissível que vivem em certas condições, e que temos, os capazes, obrigações dos os ajudar. Eu não sei se aqui estamos a falar de "justiça" ou da "dignidade" ou ("decência"). Por muito que goste do Ralws, cada vez estou mais convencido que o que é "digno" (ou "decente") tem prioridade, neste nível dos mínimos dos mínimos, sobre o que é "justo" (e muito do que o Rawls diz podia ser perfeitamente reformulado nesta linguagem, em particular a da Avishai Margalit, no seu "The Decent Society", que foi sem dúvida um dos livros mais bonitos que li). Claro, sabemos que o que é "digno"/"decente" é elástico e historicamente manipulável. Mas há mínimos sobre os quais podemos chegar a acordo que protejam os mais fracos.
6. Numa variante mais radical, podes argumentar que, por A ser "capaz" (para usar a tua linguagem, e aqui tinhamos de perceber de onde vinha esta capacidade (inata ou adquirida, se adquirida então em que contextos, etc. etc.)), então tem uma dívida para com os incapazes, do género "Power equals responsability". Eu identifico-me bastante com esta fórmula, mas depois haveria nuances empíricas a discutir.
Et c'est ça, assim em cima do joelho.
Depois continuamos, se replicares.
abraços
Hugo
se a tua resposta foi em cima do joelho...:)
é uma excelente resposta, muito completa e, de momento pouco tenho para replicar
penso que, em última análise, pelo menos em certas circunstâncias, apenas critérios morais permitem justificar políticas redistributivas (mas parece-me que também estás de acordo com isto) e, por outro lado, embora os critérios "eficientistas" tenham uma particular força, pois que se colocam no próprio terreno moral dos críticos das políticas redistributivas, encerram precisamente esse "perigo": o de se movimentarem num terreno moral pantanoso em que a qualquer momento podem deixar de ser válidos
abraço
timshel
Olá,
Sim, a estratégia tem de ser jogar nos dois tabuleiros (o empírico e o normativo), de preferência com uma mão a saber o que a outra faz :). E em última instância (para falar no velho jargão marxista), sim, o normativo é o mais importante - mas é também aquele onde é mais complicado chegar a acordo. As discussões filosóficas podem não chegar a grande lado em termos do convencimento da outra parte (partindo do principio que não se pretende apenas pregar aos convertidos :)), sobretudo quando lidamos com posições mais radicais, do estilo aquela que procede a uma "naturalização" e "absolutização" dos direitos de propriedade; a partir daqui há uma necessária bifurcaçao: ou aceitas a assunção ou então não aceitas e a conversa arrica-se a não poder continuar (no passado já era assim com a definição de "exploração" do marxismo: ou aceitas, e compras o pacote restante, ou não e tens que seguir todo um outro caminho).
Apesar da incerteza e da contingência do trabalho ciéntífica, a análise teórico-empírica é ao mesmo tempo mais aberta à diversidade do objecto estudado (não precisamos de absolutizar nada, há imensas nuances) e onde é maior a exigência da produção da prova (ela própria difícil de conseguir).
E, bom, sobretudo, a análise empírica está mais perto da "policy" - where the action is! - que, afinal de contas, é o que mais me atrai.
abraço,
Hugo
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