A LIBERDADE COMO ELES A ENTENDEM
As pessoas manipularam a tal ponto o conceito de liberdade, que ele acabou por se reduzir ao direito dos mais fortes e mais ricos de tirarem dos mais fracos e mais pobres o que estes ainda têm. As tentativas de modificar isso são encaradas como intromissões lamentáveis no campo do próprio individualismo, que, pela lógica dessa liberdade, dissolveu-se num vazio administrado. Mas o espírito objectivo da linguagem não se deixa enganar. O alemão e o inglês reservam a palavra 'livre' para os bens e serviços que não custam nada. À parte a crítica da economia política, isso testemunha a falta de liberdade que a relação de troca, ela mesma, pressupõe; não há liberdade enquanto tudo tem um preço e, na sociedade reificada, as coisas isentas do mecanismo do preço só existem como rendimentos lastimáveis. Ante uma inspecção mais rigorosa, costuma-se constatar que também elas têm o seu preço e constituem migalhas dadas juntamente com as mercadorias, ou, pelo menos, com a dominação: os parques tornam as prisões mais suportáveis para quem não está dentro delas. Entretanto, para as pessoas de temperamento livre, espontâneo, sereno e impertubrável, que da falta de liberdade extraem a liberdade como um privilégio, a linguagem reserva, prontinho, um nome apropriado: desaforo.
Theodor W.Adorno
*"Mensagens numa garrafa" constava da versão original do livro Minima Moralia (publicado em alemão em 1974), mas foi omitido na publicação final (uma versão inglesa do livro pode ser encontrada aqui). A tradução de "Mensagens numa garrafa" em língua inglesa foi publicada pela primeira vez em 1993, na "New Left Review", nº200, Jul/Ago. Em português pode ser encontrado nesta edição brasileira de 1996 d'O Mapa da Ideologia, livro organizado pelo filósofo esloveno Slavoj Zizek (tradução do original inglês de 1994 publicado pela Verso, claro).
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