Monday, November 26, 2007

Quadro Europeu de Qualificações: uma revolução silenciosa?

Hoje foi apresentado em Lisboa o Quadro Europeu de Qualificações [QEQ] (texto aprovado pelo Parlamento Europeu aqui). Parece mais um documento chato para entreter os burocratas de Bruxelas, mas não é: é algo que pode, a prazo, causar grandes mudanças na forma como as pessoas organizam a sua vida na Europa. Depois, com mais tempo, escrevo mais sobre isto, mas o QEQ trata-se basicamente de uma grelha de tradução das qualificações obtidas por um cidadão num qualquer país da UE, que sabe que a sua qualificação será reconhecida como válida e como tendo o mesmo valor que tem no país de origem. Claro, Bolonha já fazia isso para o ensino superior, mas o QEQ alarga isto a todas as qualificações de todos os níveis de ensino - e mesmo as obtidas pelo reconhecimento de competências obtidas por via não-formal ou informal.
Foram criados oito níveis de qualificações que pressupõem uma correspondência a um conjunto de 'conhecimentos', 'aptidões' e 'competências' (ver nos 3 quadros).

A prazo, isto pode revolucionar o mercado de trabalho. Ao contrário do que acontece nos EUA (e esta é uma vantagem comparativa pouco lembrada, mas que joga de facto a favor do caso americano ao nível da mobilidade e competitividade interna), onde as barreiras linguisticas e culturais são muito reduzidas e onde a mobilidade profissional das pessoas é ampla, na Europa a situação é muito diferente, e a maioria das pessoas não tem qualquer oportunidade de procurar emprego longe do sítio onde vivei ou obteve alguma qualificação/experiência profissional. Quando muito, a maioria das mudanças dão-se no interior do mesmo país. A criação do QEQ procura mudar um pouco isto.
Do ponto de vista colectivo (e económico), a existência de barreiras à mobilidade do género que existe na Europa não é conducente a uma maior eficácia no uso dos recursos humanos; esta unificação do mercado de qualificações aumenta em teoria, por isso, a competitividade e a qualidade dos produtos e serviços.


Do ponto de vista individual, abre oportunidades a quem queira aventurar-se num outro país sem ter que sofrer uma imediata discriminação ao nível das qualificações de que é portador. Assim, por exemplo, uma pessoa com uma qualificaçao do nível 5 em Portugal é uma pessoa com qualificação do nível 5 na Áustria - se Portugal e Áustria alinharem o seu quadro de qualificações nacional pelo europeu (o que não completamente garantido, dado que o QEQ é de adopção voluntária; mas Bolonha também era e generalizou-se mais ou menos rapidamente; e Portugal é dos países que mais tem feito nos últimos tempos por avançar neste processo, e o Quadro Nacional de Qualificações, já aprovado em Conselho de Ministros, está em discussão pública). Isto, logicamente, reduz as discriminações e, simetricamente, as situações de protecção/privilégio (altamente injustos, porque determinados pelo acaso de uma pessoa nascer no país Y ou Z).

Há outras dimensões muito importantes de todo este processo, que tem que ser compreendido numa lógica de aprendizagem ao longo da vida - devidamente consagrada no 'Programa para a Aprendizagem ao Longo da Vida' (2007-2013) lançado pela presidência alemã no primeiro semestre de 2007, e que corresponde a um real descentrar da escola como único dispositivo institucional onde é possível alguém 'aprender' e 'qualificar-se'. A este fim de um certo 'escolocentrismo' corresponde, em compensação, um ênfase muito maior no que as pessoas sabem fazer ou conhecem (nos resultados), independentemente de onde aprenderam/fizeram o curso (a 'fama' das instituições).

Depois volto a esta temática.
Mas isto são boas notícias. Estão lançadas as bases para que, no futuro, se avaliem progressivamente as pessoas, os seus percursos e as suas capacidades menos em função de características particularistas - que tantas vezes alimentam perversos privilégios de status -, e mais pelo que são capazes e pelo que é universamente reconhecido: um passo em frente naquilo a que os sociólogos chamam 'modernidade'.

3 comments:

CLeone said...

Um post que justifica um blog. Só uma coisa: além do link no início do post, há mais alguma forma de ober informação? Em concreto, como se afere a difrenciação de níveis? Entre 0 y e o 7 ou entre o 7 e o 8, parece ser um pouco vago.

Hugo Mendes said...

O nível 6 corresponde à licenciatura segundo as regras e Bolonha, o nível 7 à licenciatura + mestrado (i.e., 2º ciclo de estudos superiores), e o nível 8 ao doutoramento (= 3º ciclo de estudos superiores)

Há várias fontes, sim. A mais simples é o comunicado de imprensa do Parlamento Europeu:

http://www.europarl.europa.eu/news/expert/infopress_page/038-12158-295-10-43-906-20071023IPR12112-22-10-2007-2007-false/default_pt.htm

Num registo mais técnico, aqui pode-se encontrar a posição do Parlamento e do Conselho à proposta da Comissão Europeia:

http://eu2007.min-edu.pt/np4/?newsId=102&fileName=Quadro_Europeu_das_Qualifica__es__PT.pdf
[neste encontram-se os quadros que eu coloquei no post (ver paginas 10 a 12), mais uma explicação para a diferença entre os níveis superiores (pagina 13)].

Num mais informal, aqui uma entrevista ao relator do projecto, o deputado italiano Mario Mantovanni, que esteve ontem em Lisboa: http://www.europarl.europa.eu/news/public/story_page/038-7350-157-06-23-906-20070601STO07341-2007-06-06-2007/default_pt.htm

Mais documentação de apoio da conferencia que hoje termina no Pavilhao de Conhecimento intitulada "Valorizar a aprendizagem: práticas europeias de validação de aprendizagens não formais e informais" (resumo e contexto aqui: http://eu2007.min-edu.pt/np4/29.html) pode ser encontrada aqui, com os respectivos links:
http://eu2007.min-edu.pt/np4/?newsId=29&fileName=Documenta__o_da_Confer_ncia.pdf

Se por acaso alguém estiver interessados nas comunicações apresentadas durante os dois dias da conferencia, é só pedi-me, eu faço-os chegar.

CLeone said...

Obrigado