Friday, November 30, 2007

Life chance politics

...ou porque é que a luta contra a pobreza infantil deve ser a primeira prioridade política de luta contra as desigualdades. Quanto mais tarde agirmos sobre elas, mais ineficiente e mais caro será. A pobreza infantil determina em larguíssima medida as oportunidades de vida dos futuros adultos, e isto é resultado de algo profundamente arbitrário: o resultado de se nascer numa família pobre e não numa rica.
Até a direita não-libertária (i.e., aquela que acha que existe mundo para além dos livros de filosofia política que reconfortam a sua predisposição para elevar o egoísmo e a indiferença a nobres ideais morais) concordaria que as crianças não devem ser injustamente prejudicadas por algo - a condição económica da sua família - que não é da sua responsabilidade.

A Fabian Society propõe a ideia/conceito/slogan de life chances como o leitmotiv polític central do terceiro mandato do New Labour, que se propõe acabar com a pobreza infantil no Reino Unido até 2020. Para quem está na cauda da tabela europeia, só suplantada pelos países mediterrânicos, este é uma meta complicada. Mas é provavelmente o melhor investimento que o país pode fazer. E a mesma mensagem serve, ceteris paribus, para Portugal.

P.S. - Uma boa parte deste investimento faz-se através da educação. Por isso é que em vez de, na sua luta contra os NEET (jovens "not in education, employment or training"), em vez de os ameaçar com a ida ao tribunal e respectiva multa (ver post anterior), os jovens deviam ser convencidos e incentivos e não compelidos, sob ameaça, a ficar na escola. Nem que o governo lhes tenha, para isso, que pagar (juntamente com as empresas, por exemplo, se se tratar de estágios). Ninguém disse que o investimento saia barato.

12 comments:

Anonymous said...

Meu caro Hugo, o diagnóstico é correcto a solução errada. de facto, se a aposta e aumento do investimento na educação resolvesse o problema, ele já estaria resolvido, na prática. Hoje, em Portugal (salvo razões muito especificas e particulares) as escolas têm praticamente o mesmo conjunto de (bons) recursos. edifícios em razoável ou mesmo bom estado de conservação, aquecimento, cantinas, centro de recursos pedagógicos e centro de recursos tecnológicos. não obstante as crianças tendem a reproduzir os resultados escolares do pais. Nos Marrazes em Leiria, em Tavarede em Coimbra ou nos Carvalhos no Porto, os recursos educativos são bons e os resultados escolares maus, se trocassem aqueles alunos com os do Colégio Moderno os resultados seriam praticamente os mesmos. O investimento deve, pois, estar a montante, parece-me.

Praça Stephens said...

não sou anónimo :)

Hugo Mendes said...

Caro Praça Stephens,

Escreveu:
"se a aposta e aumento do investimento na educação resolvesse o problema, ele já estaria resolvido, na prática."

O post é sobre o ataque à pobreza infantil, não ao investimento no sistema de educação. O meu post-scriptum é mais uma adenda ao meu post anterior sobre as novas medidas do New Labour em Inglaterra. Mas é verdade que uma estratégia de equalização das life chances passa, também, pelo investimento certo em educação.

"Hoje, em Portugal (salvo razões muito especificas e particulares) as escolas têm praticamente o mesmo conjunto de (bons) recursos. edifícios em razoável ou mesmo bom estado de conservação, aquecimento, cantinas, centro de recursos pedagógicos e centro de recursos tecnológicos."

Desculpe, mas isto é efectivamente falso. Portugal tem um parque escolar incrivelmente desigual, com poucas escolas modernas, algumas em estado razoavel de conservação e manutençao, e imensas em péssimo estado: basta dizer que a maior parte do parque das escolas secundárias, construídas na década de 70 para durar cerca de 25, 30 anos, já terminou o prazo de vida. Quanto às escolas do primeiro ciclo, pelo pais fora há escolas em estado lastimavel, felizmente muitas já fechadas. A recuparação do parque escolar em Portugal é uma prioridade.

"O investimento deve, pois, estar a montante, parece-me."

Era precisamente essa a ideia central do post :)

Praça Stephens said...

Meu caro Hugo

quanto á questão do parque escolar edificado já não é assim tão desigual como julga, de qualquer modo, não estarei muito longe da verdade se disser que mais de 80% das escolas têm generalizadamente isto: professores com a mesma base de formação, recursos pedagógicos e tecnologicos, acção social (cantinas, etc) o que não escusa necessidades de investimento. Mas se quer que lhe diga, o que as escola e o ensino têm tido a mais nos últimos 30 anos é dinheiro. e isso muito contribuiu para a mediocridade e para a miséria franciscana a que chegámos.

cumprimentos
JPP

Hugo Mendes said...

"não estarei muito longe da verdade se disser que mais de 80% das escolas têm generalizadamente isto: professores com a mesma base de formação, recursos pedagógicos e tecnologicos, acção social (cantinas, etc) o que não escusa necessidades de investimento"

Sim, mas com condições muito desiguais. Um Porsche e um Mini tem ambos carros, tem ambos 4 rodas, motor e volante e as suas performances serão sempre muito diferentes. E falta investir muito no parque escolar, o que vai acontecer em força na próxima década.

"Mas se quer que lhe diga, o que as escola e o ensino têm tido a mais nos últimos 30 anos é dinheiro."

Depende: se disser "ensino" não é mentira, em termos estritamente orçamentais. O problema é que, até há um par de anos, cerca de 96, 97% dos nosso orçamento ía para pagar salários dos professores, ou seja, gastos correntes com recursos humanos. É muitíssimo. Com isto sofrem as escolas - enquanto espaços físicos - e todos os processos de inovação pedagógica que ficam sem dinheiro. Isto, de qualquer forma, já começou a mudar.

"mediocridade e para a miséria franciscana a que chegámos"

Não sou miserabilista nem acho que haja motivos para o ser. A educação no nosso pais é muito heterogénea e se há pólos de mediocridade também ha polos de excelência, e muitos outros exemplos de qualidade de ensino e aprendizagem. Aliás, veja-se o post que fiz sobre os resultados do PISA. Se olharmos com atenção, os nossos alunos não são tão maus como isso (já para não falar em questões de matéria mais histórica, como o facto de tentarmos fazer em 30 anos o que outros países fizeram em mais de meio século, etc.). Há muito a melhorar, sem dúvida, mas a "miséria franciscana" (seja o que isto for, dado que não precisou) representa, estou em crer, uma parcela (gradualmente) minoritária do nosso sistema de ensino.

Cumprimentos,
Hugo

Praça Stephens said...

ai ai ai , plenamente de acordo até à introdução desse vocábulo maldito - inovação pedagógica. A doutrina e a prática dela são, têm sido, uma parte da nossa desgraça.
cumprimentos,
JP

Hugo Mendes said...

Acho que há um grande mal entendido sobre o que é a inovação pedagógica (e curricular, devia ter acrescentado), e sobre as suas potencialidades e perversões. Inovação curricular é, por exemplo, colocar o ingles no 1º ciclo do ensino básico. Parece-me algo incontroverso.

Para mais, está por provar que coisas como "eduquês" (imagino que é nisso que esteja a pensar) existam em larga escala e tenham o efeito massivo que os seus detractores indicam. Fazem-no na larguíssima parte das vezes sem qualquer estudo do que se passa na sala de aula, ou de como a formação dos professores impacta na qualidade do ensino. Direi mesmo que o que falta nas escolas é mais reflexão pedagógica, não menos - sobre as suas virtudes, potencialidades, e efeitos perversos, sem debates dominados pela ideologia (que é sempre "preguiçosa"), que é basicamente o que o discurso sobre o 'eduquês' me parece ser.

Cumprimentos
Hugo

Praça Stephens said...

Meu caro Hugo, sem querer jogar com as palavras, a introdução do inglês é, quanto muito, valorização pedagógica, mas para isso é preciso ser consequente. O meu filho teve inglês no 3º e 4º ano e agora no 5º está a dar a mesma coisa que deu no 3º. quilo que chama inovação pedagógica é isso mesmo e que é condenável: alterações sistemática de programs, curriculos e estruturas disciplinares, instruções à última da hora, a maior parte delas contraditórias, não dão estabilidade ao sistema. Se é verdade que o discurso ideológico é demagógico e preguiçoso, também ele só existe e tem palco porque alguém se põe a jeito, ou não ?

JPP

Hugo Mendes said...

A introdução de uma disciplina no currículo de um ano de escolaridade é efectivamente uma inovação curricular, para além de uma valorização pedagógica, claro.

Parece-me que às vezes as pessoas desvalorizam a dificuldade de gerir a introdução de reformas que obrigam à alteração de rotinas de trabalho de milhares de pessoas. É natural que crie problemas de descoordenação gerais, de sobreposição aqui, de défice disto ali. A implementação de medidas em sistemas como o da educação a nível da nacional não pode senão gerar situações destas, que precisam é de ser estabilizadas ao fim de algum tempo. A estabilidade não se ganha ao fim de um par de anos. Qualquer processo de implementação e mudança organizacional, curricular, etc., gera turbulência e incerteza, e não há como não evitar o seu quê de experimentalismo. Infelizmente a varinha mágica não funciona nestas coisas.
As pessoas dizem-me que o ingles e as restantes actividades de enriquecimento curricular funcionam com 'n' problemas locais de desarticulação entre isto e aquilo. E eu digo: pudera. Conhece algum hospital ou tribunal ou qualquer outras instituição complexa que exista há décadas que funcione na perfeição, mesmo que assimiladas todas as rotinas? Eu não conheço, e talvez não seja expectável conhecer.
A estabilização de que fala, e bem, demora tempo a acontecer.

Cumprimentos
Hugo

Praça Stephens said...

À medida que o meu caro Hugo vai justificando o injustificável, aliás, abusando e abusando da matriz eduquês (bem sei que involuntária porque não aprecia, e bem, a doutrina) pois usou duas vezes a palavra implementar e implementar é uma palavra vicária, não significa nada, eu começo a divergir de si, coisa que me parecia inicialmente difícil.
Uma espécie de dois benfiquistas a discutir se o glorioso deve jogar com Nuno Gomes e Cardozo, ou apenas com Cardoso sem apoio do 2º ponta de lança.
A novidade e inovação não é justificativa (para si quase absoluta) do erro. Se não for apenas circunstancial (estou em crer que é) mais valia não mexer. Quando se introduziu o inglês no primeiro ciclo, a medida imediata e seguinte é alterar o curriculo do segundo ciclo, elementar meu caro watson. Depois uma ministra da educação, séria e competente, não pode andar a apagar fogos da burocracia ministerial, muito da imagem negativa que passa reside no pessoal técnico-político manifestamente incompetente (DREC, DREN e DREL), são o expoente máximo, você ainda não defendeu Margarida Moreira, é verdade. Experimente ligar para um destes serviços ou para o DEGRE e talvez ao fim de duas semanas seja atendido. Se eu mandasse no ME, mas não mando, agarrava numa duzia ou duas de pessoas competentes que lá há e era com eles que trabalhava, geria o curriculo nacional e o resto entregava às autarquias. Ah e mais, tirava imediatamente os professores da gestão das escolas, onde é que já se viu um orgão da administração ser gerido por um gestor eleito pelos pares que irão beneficiar, ou não, desses mesmos actos de gestão. A não ser que sejam masoquistas, nunca vi ninguém eleger alguém que não satisfaz os seus anseios ou interesses mais imediatos.
Isto, meu caro Hugo, a a essência do sistema e não apenas danos colaterais.

é um prazer discutir consigo

abraços

JPP

Hugo Mendes said...

Caro JPP,

Tem razão em algumas coisas, noutras não me parece de todo, outras são menos óbvias e há zonas cinzentas. A profissionalização da gestão das escolas é uma possibilidade, talvez no futuro se caminhe para um solução mais próxima do que advoga, mas já foram dados alguns passos certos.
(Não percebi o que queria dizer com a alteração ser "circunstancial": refere-se à introdução do inglês? Essa, circunstancial não é de certeza; e irreversível, e as disfinções devem e serão corrigidas com o tempo).

Mas acho interessante que não goste da palavra "implementar". Uso-a pretendendo ter algum rigor, até, se quiser, como conceito, dado que é bastante trabalhado em ciencia política, no estudo das politicas públicas. Quando eu penso nestas coisas das reformas dirigidas a partir de um centro, tenho sempre em mente um livro de que não me esqueço, quanto mais não seja pelo título, que diz quase tudo: «Implementation. How Great Expectations in Washington Are Dashed in Oakland; Or, Why It's Amazing Federal Programs Work At All, This Being Told by Two Sympathetic Ibservers Who Seek to Build Morals on a Foundation of Ruined Hopes» (os autores são Jefrey L.Pressman e Aaron B.Wildasvky, e o livro de 1983).

Não vem ao caso, mas o livro narra como o projecto desenhado para facilita a inserção profissional dos negros em Oakland falhou por uma série de impoderáveis nas fases de implementação da medida.
Gosto particularmente da parte: "Why It's Amazing Federal Programs Work at All". O grau de coordenação necessario em medidas que envolvem o alinhamento de acções de milhares de pessoas é mais complicado do que às vezes parece de fora.

Mas sei bem que o equilíbrio entre a compreensão (que leva a justificar, quiça de modo indulgente, o que por vezes não está bem o suficiente) e a indignação é por vezes complicado; o lado que leva a melhor por vezes depende dos dias, tal como a solução de jogar com o NGomes e oCardozo ou só com um deles depende dos jogos e dos adversários.

Também é um prazer discutir consigo.

abraço
Hugo

Praça Stephens said...

é claro que a medida tinha que falhar, pois se foi implementada e implementar não significa nada, elementar :)
vejo que, com agrado, que deixou irrepreensivelmente incólume as minhas referências à incompetência que grassa no pessoal político de enquadramento do ministério.
de resto estamos de acordo, aprecio o seu (de si próprio e não do outro) animal feroz do pragmatismo político, eu que já não me deslumbro tanto com a ditadura dos resultados, gosto ainda de um pouco de doutrina.

vamo-nos vendo por aí noutras discussões e, já agora, aproveito para o convidar a visitar o badabingblog.org

grande abraço
JPP